quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

O pior ano das letras


Resolvi abandonar Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, porque a edição que peguei para ler estava horrorosa, e quando fui atualizar a leitura no goodreads, percebi o quão ruim foi esse ano para as minhas leituras.Somando isso ao aporrinhamento do goodreads apontando na minha cara que estou 10 livros atrasado na meta de leitura de 2016 (que nem é alta), decidi que era hora de fazer um post de resmungo combinado com desistências e uma pitada de esperança em livros melhores daqui para frente. 

Primeiro, vamos dar nome aos bois. O que gostei, não gostei e me deixou em cima do muro:


Já dá para ver que os bons foram raridade, e vale ressaltar que, dos bons, o único que salvou a pátria mesmo foi O Apanhador no Campo de Centeio.

Calma que desgraça pouca é bobagem: eu já tinha feito um post reclamando das leituras e não sei o que mais, e tinha finalizado ele com uma listinha promissora para ler e terminar o ano satisfeito. Pois bem, estou me isentando de qualquer obrigação de lê-los, a minha máxima agora vai ser VEJO A CAPA E A SINOPSE, SE GOSTAR, EU PEGO PARA LER. Serei drástico assim porque os livros abaixo (praticamente comprei ou baixei todos) eu acrescentei na lista de leitura devido a: estarem falando muito bem do autor/obra. Simplesmente isso. Eu estava indo pela cabeça dos outros. Minhas leituras em 2015 foram escolhidas muito mais da minha percepção, e acabou sendo um ano de leituras maravilhosas, ainda que a maioria fosse de autores novos ou de pouco reconhecimento. Pode ser que eu pegue algum livro abaixo para ler? Sim, mas será porque ele me despertou interesse; O LIVRO, NÃO O FULANINHO QUE VEM NA INTERNET HYPAR OS FAVORITINHOS DELE.




Agora estou calmo.
=3



segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Impressões: O feiticeiro de Terramar, de Ursula Le Guin


O livro do post foi escolhido para que a resenha saísse logo na semana de lançamento, o que evidentemente não aconteceu. O motivo é simples: apesar de curto, o livro demandou muitos dias para que eu o concluísse, cheguei a pegar a versão em ebook da edição antiga para agilizar o passo no kindle, e mesmo assim tive muitos entraves para dar sequência à leitura. E olhe que numa comparação, achei a tradução antiga muito melhor, mais "saborosa", porém a fluidez simplesmente não veio. Estou falando de O feiticeiro de Terramar, da autora Ursula Le Guin.



Há quem diga que o feiticeiro mais poderoso de todos os tempos é um homem chamado Gavião. Este livro narra as aventuras de Ged, o menino que um dia se tornará essa lenda. 
Ainda pequeno, o pastor órfão de mãe descobriu seus poderes e foi para uma escola de magos. Porém, deslumbrado com tudo o que a magia podia lhe proporcionar, Ged foi logo dominado pelo orgulho e a impaciência e, sem querer, libertou um grande mal, um monstro assustador que o levou a uma cruzada mortal pelos mares solitários.

A sinopse é honesta, mas não inequívoca. Ao declarar certos eventos como prenúncio para uma aventura maior e cheia de emoções, de cara já suponho uma manipulação marqueteira, uma vez que há muito o que se ler até chegar à chamada "partida para resolver o problema do monstro assustador". O agravo: o que é lido antes desta cruzada de Ged é muito mais interessante que o que vem depois. Não quero continuar sendo negativo do início ao fim, então vou destacar uma qualidade que saltou aos meus olhos na leitura: a escrita!

"E como os seis irmãos de Duny eram vários anos mais velhos que ele e, um por um, deixaram a casa para irem trabalhar a terra ou navegar no mar ou trabalhar nas forjas de outras povoações do vale do Norte, não houve ninguém que criasse a criança com afeto. Fez-se bravio, desenvolvendo-se como erva daninha, até se tornar um rapaz alto e enérgico, barulhento e orgulhoso, cheio de vivacidade".

O feiticeiro de Terramar é um livro de fantasia direto, com uma concisão primorosa e uma beleza rara de escrita. A sintetização de ideias mostrada no parágrafo acima é tão acertada que dispensa qualquer flashback, memória contada ou conflito interno para definir o protagonista. Simplesmente diz quem é, e isso basta.

"Vivia na aldeia uma irmã da sua falecida mãe que fizera o necessário por ele enquanto bebê mas, tendo coisas suas com que se ocupar, não se importou mais com ele assim que o rapaz pôde cuidar de si próprio".

Uma frase condensou o que a gente vê por aí levar parágrafos, até capítulos, em alguns casos. Eis o talento invejável da autora. Amei ler o seu texto e me deslumbrei com a capacidade dela se expressar. Mas o fascínio ficou por aí.

Ged é um jovem com aptidão para magia que, insatisfeito com o treinamento proposto pelo seu sábio mestre, sai para ser aluno numa escola de magia. Os eventos e personagens alocados nessa porção do livro são interessantes, de maneira que a obra se mostra uma preciosa peça literária tanto quanto história de entretenimento. E nem se pode dizer o contrário dos personagens e eventos que aparecem depois, mas a condição de indiferença de Ged, por ter liberado a sombra - mas, principalmente, por consequência da sabedoria e dos poderes que adquiriu após se tornar um mago completo - monta uma parede que barra qualquer entusiasmo. As viagens são monótonas e as situações são anti-climáticas. Não porque não houve preocupação ou desleixo da autora, mas porque Ged sabia que não devia afetar o mundo. É como o manjado recurso de viagem no tempo tanto usado em ficção científica: o viajante não pode mudar eventos do passado ou vai causar problemas, mas algo muda e por isso a história permanece interessante. Aqui, Ged insiste em não causar problemas, e o que prende a leitura é tão somente o mistério da sombra, nada mais. Pelo menos, pode-se dizer que a conduta chata de Ged se encaixa de maneira perfeita no tema do livro, que carrega uma proposta sóbria, tão diferente da maioria das fantasias. Aliás, a magia de Terramar é claramente uma ciência, apesar de não deixar de ser magia:

"Nada tinha a ver com ilusão, mas apenas com verdadeira magia, a invocação de energias como a luz e o calor, e a força que atrai o íman, bem como as forças que o homem conhece como peso, forma, cor e som. Poderes reais, extraídos das imensas, incalculáveis energias do universo, que nenhum encantamento ou uso humano poderia alguma vez exaurir ou desequilibrar".

Nas descrições, senti emoções diversas. Em geral gostei, porque a escrita é boa, mas preciso ressaltar o incômodo da apresentação geográfica, que parece jogada livremente:

"Fundearam durante uma noite em Foz-do-Kember, o porto mais a norte da Ilha de Way, e na seguinte, numa pequena cidade à entrada da Baía de Felkway, passando no dia seguinte o cabo norte de O e entrando nos Estreitos de Ebavnor".

O cenário é sempre tratando assim, despejando nomes de ilhas, cidades, portos. Quase nada afeta realmente a narrativa, e todas se perdem ao virar de página. Recentemente fiz a mesma reclamação no post sobre As mentiras de Locke Lamora, que usa o mesmo recurso de construção de cenário ao mencionar bairros da cidade.

Não vou dispor em tópicos o que gostei e não gostei, até porque é mais fácil resumir em uma linha: gostei dos personagens, da escrita e das cenas; e não gostei do conjunto da história, de Ged e das passagens entre as cenas (que são basicamente as andanças/viagens marítimas e a maior parte do livro).

Mais alguns trechos ótimos que faço questão de destacar, abaixo.


"Nessa noite, e sempre daí em diante, ofereceu e deu a Gued amizade. Uma amizade firme e aberta que Gued não podia deixar de retribuir".

Mais uma vez, o poder de síntese que dispensa floreios e artimanhas de autores prolixos.

"(...) à medida que o poder real de um homem aumenta e se alarga o seu conhecimento, tanto mais se vai estreitando o caminho que lhe é possível seguir. Até que, finalmente, ele nada escolhe, mas faz apenas, e na sua totalidade, o que tem de fazer".

Resumiu a atitude do mago Ged, deixando o leitor com uma ótima extrapolação filosófica do texto, e reforçando a ausência do inesperado na história.

"Servos abriram portas e desviaram-se para o lado perante Gued e a dama, todos eles pálidos e frios osskilianos. Também a pele dela era clara, mas, ao contrário deles, falava bem a língua Hardic e mesmo, pareceu a Gued, com o sotaque de Gont. Mais tarde, nesse mesmo dia, ela levou-o perante o marido, Benderesk, Senhor da Terrenon. Com três vezes a sua idade, branco como um osso e como um osso magro, de olhar turvo, o Senhor Benderesk acolheu Gued com uma fria e severa cortesia, convidando-o a permanecer como hóspede durante o tempo que lhe aprouvesse. Depois pouco mais teve para dizer, nada perguntando a Gued das suas viagens ou do inimigo que o perseguira até ali".

Mais uma aula, com tanto dito em tão pouco. Uma escrita densa e admirável.

"Quase cedera, mas, por pouco, não chegara a ceder. Ele não aquiescera. E é muito difícil para o mal apoderar-se da alma que não aquiesce".

Uma frase que seria prato cheio para críticas, cuja beleza sobrepõe a necessidade de reformulações.

Considerações finais:
Um livro que enche os olhos a cada frase lida, mas que não impele ninguém a ler a que vem a seguir. O principal motivo que eu vejo para recomendá-lo, é o nome da autora.








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segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Impressões: As mentiras de Locke Lamora, de Scott Lynch


Há uma semana, mais ou menos, eu li O corvo, do Edgar Allan Poe. Como quase todas as poesias que leio, não me afetou, e não farei post falando sobre ela (não tenho mesmo nada a falar). Assim sendo, pulo direto para as minhas impressões sobre o livro que li em seguida: As mentiras de Locke Lamora, do autor Scott Lynch. Capa, sinopse e o que achei logo abaixo.



O Espinho é uma figura lendária: um espadachim imbatível, um especialista em roubos vultosos, um fantasma que atravessa paredes. Metade da excêntrica cidade de Camorr acredita que ele seja um defensor dos pobres, enquanto o restante o considera apenas uma invencionice ridícula.
Franzino, azarado no amor e sem nenhuma habilidade com a espada, Locke Lamora é o homem por trás do fabuloso Espinho, cujas façanhas alcançaram uma fama indesejada. Ele de fato rouba dos ricos (de quem mais valeria a pena roubar?), mas os pobres não veem nem a cor do dinheiro conquistado com os golpes, que vai todo para os bolsos de Locke e de seus comparsas: os Nobres Vigaristas.
O único lar do astuto grupo é o submundo da antiquíssima Camorr, que começa a ser assolado por um misterioso assassino com poder de superar até mesmo o Espinho. Matando líderes de gangues, ele instaura uma guerra clandestina e ameaça mergulhar a cidade em um banho de sangue. Preso em uma armadilha sinistra, Locke e seus amigos terão sua lealdade e inteligência testadas ao máximo e precisarão lutar para sobreviver.


A sinopse é bem vaga (e como não ser, para um livro de 600 e tantas páginas?), mas não diz nenhuma inverdade. O livro suga o leitor para um espaço de máfia italiana adornada com luzes noturnas misteriosas, alquimia e construções ancestrais num momento de grande virada política, e para nos guiar ao longo de tudo, nos apresenta Locke Lamora, líder de um dos vários bandos criminosos da cidade de Camorr: os Nobres Vigaristas. Percorremos sua infância sofrida, o acolhimento na Igreja de Perelandro e sua trajetória como ladrão até assumir, já na idade adulta, a liderança do bando.

A narrativa é segmentada, contando com um interlúdio ao final de cada capítulo para mostrar um flashback ou dar uma informação extra, mas mantém a linearidade em todo o resto do livro. Como sou da geração que pegou o fenômeno LOST, não me incomodei com essa quebra, muito pelo contrário; é um recurso que me agrada demais (inclusive o uso quando escrevo), porém mesmo os não entusiasmados com essa estrutura conseguirão manter a leitura sem entraves, já que esses flashbacks são bem curtinhos. A narração é fluída  e os diálogos são cuidadosamente utilizados para informar enquanto injetam comicidade e tensão no andar da história. Informalidade é, sem sombra de dúvida, o principal traço da narração. O aspecto visual da narrativa fica bem claro nos trechos a seguir:

"Locke apoiou as costas na base do muro e uniu as mãos para formar um calço. Calo pousou um dos pés nesse estribo improvisado e pulou para cima, impulsionado pela força conjunta das próprias pernas e dos braços de Locke".

"Ela sacou uma chave que trazia pendurada em uma cordinha de seda no pulso direito e a inseriu na fechadura de prata acima da maçaneta de cristal ao mesmo tempo que pressionava com cuidado determinada placa de bronze decorativa dentro de um nicho na parede".

Os personagens são o motor da trama, e como eles se expressam pelos diálogos, não preciso me repetir em dizer que foram muito bem construídos a partir das falas. Eles se agrupam para representar diferentes núcleos sociais e pedaços de cenário, o que facilita a condição de "motor". Por exemplo, o Aliciador representa um bairro e um determinado período na linha do tempo, o Padre Correntes e Sabeta, outro lugar e tempo, Barsavi, a cidade baixa num tempo um pouco mais à frente, e por aí em diante. Essa configuração é excelente para levar o leitor junto, cada vez que a trama se move no tempo e espaço, principalmente em um romance tão longo e cheio de gente. Execução impecável!

A descrição que o autor usa, entretanto, merece uma ênfase aqui, devido à estranheza que causa em alguns momentos, até prejudicando o ritmo de leitura. Como a história inteira se passa dentro de uma cidade, acaba que bairros e referências geográficas tomam para si o papel de montar na cabeça do leitor uma imagem mental a partir de peças particulares, e nem sempre isso é feito de maneira coesa. O bairro de onde vem o personagem Pulga é um ótimo exemplo de criação de imagem para o cenário, e ironicamente é um lugar usado uma vez ou outra numa história de 600 páginas, enquanto tantos outros são citados diversas vezes sem representar coisa alguma. Atenção:

"No vão central dessa ponte, o Aliciador parou e olhou para o norte, para além das casas sem luz do Tranquilo, para além das águas envoltas em névoa do veloz Angevino, e fitou as chácaras sombreadas e os bulevares de pedra margeados de árvores das ilhas de Alcegrante, cuja opulência se espalhava aos pés das altíssimas Cinco Torres".

"Na outra ponta das Quedas do Moinho, os dois viraram em direção ao leste e atravessaram uma larga ponte baixa para entrar no bairro do Portão de Cenza, rota que a maior parte do tráfego terrestre em direção ao norte utilizava para deixar a cidade".

Das várias localidades e referências geográficas mencionadas nesses dois trechos, APENAS as Cinco Torres permanecem como elemento significativo no cenário da história. E o problema das descrições não se atêm à parte geográfica. Constantemente elas invadem a narração de uma cena e, dependendo do caso, podem ir de apenas um atraso no andamento para um completo desestímulo. Abaixo, um trecho descritivo de uma cena à mesa, que, apesar ter muita coisa que poderia ser podada, não interfere na leitura. Depois dele, um trecho em que a descrição invade a narração de uma cena de luta, e aí não tem jeito, a quebra de interesse na sequência é instantânea.

"Os bolinhos de frango estavam temperados com gengibre e lascas de laranja. O molho de vinho da salada de feijão aqueceu sua língua, a mostarda ardeu na sua garganta. Ele se pegou tomando goles do vinho para apagar cada fogo novo que se acendia".

"Outro borrão cor de prata se moveu no canto do campo de visão de Locke e uma nova dor irrompeu em seu peito como um botão de fogo a brotar ao redor de seu coração, queimando o próprio cerne de sua carne. Pareceu-lhe até sentir o cheiro da carne tostada e o ar em seus pulmões se aquecer até ficar escaldante como em uma fornalha. Ele gemeu, se contorceu, jogou a cabeça para trás e finalmente gritou".

É difícil dizer objetivamente qual foi o erro nessa última passagem, porque a maioria esmagadora dos romances de Fantasia segue esta mesma linha de exposição quando traz uma descrição em cena de ação. Talvez seja melhor o autor de literatura fantástica que está escrevendo uma cena de ação deixar um pouco de lado as referências da Fantasia e ir atrás de um Arthur Conan Doyle da vida, que faz um trabalho muito mais efetivo. Encerrando a minha consideração sobre as descrições, vou deixar a passagem do livro que considerei realmente INADMISSÍVEL. O narrador, em mais uma apresentação geográfica, volta-se para o leitor totalmente do nada ao encerrar sua explicação do local. Uma quebra bizarra e amadora da voz narrativa:

"Imaginem várias profundas galerias retangulares escavadas na horizontal até o fundo do penhasco e interligadas apenas por fora"

O que gostei:
- Linguagem fluída.
- Diálogos bem construídos.
- Personagens marcantes.
- Cenário interessante.
- Narrativa envolvente em uma história cativante.

O que não gostei:
- As descrições pecam em vários momentos.
- Após a resolução do grande problema no clímax, o livro se demora demais em uma cena de luta mano-a-mano extremamente prolongada.
- O excesso de nomes de bairros, ruas, praças e ilhas que não servem para nada.

Considerações finais:
As mentiras de Locke Lamora quebra um paradigma grande ao me fazer gostar tanto de uma fantasia tradicional, que exige mais que 500 páginas para montar cenário, personagens e trama integralmente e de forma natural. Valeu a pena ler, e indico a todos os que chegaram até aqui com  alguma dúvida.





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segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Impressões: O apanhador no campo de centeio, de J.D. Salinger


Minhas impressões sobre a obra mais célebre de J. D. Salinger, o polêmico O apanhador no campo de centeio. Capa, sinopse e minha reação a seguir.



Um garoto americano de 16 anos relata com suas próprias palavras as experiências que ele atravessa durante os tempos de escola e depois. Revela o que se passa em sua cabeça. O que será que um adolescente pensa sobre seus pais, professores e amigos?


Livro espetacular! Nem vou fazer comentários, pois não me sinto capaz para a tarefa, o livro é pura psicologia. Narrado em primeira pessoa, ele reproduz exatamente o que muita gente é (especialmente hoje em dia com a geração depressão) e que outros só são em alguns momentos da vida. Holden Caulfield é deprimido, insatisfeito, prepotente e covarde; covarde ao ponto de não virar um personagem revoltadinho que certamente estragaria a história, como esse tipinho sempre faz. Fico mesmo devendo uma análise melhor, mas não sei expressar em resenha todas as sacadas geniais que peguei (várias vezes) durante a leitura. Deixo abaixo alguns quotes que marquei no Kindle.


Depois que eu disse a ela que tinha um encontro marcado, não podia mesmo fazer droga nenhuma senão sair. Nem podia ficar por lá para ouvir o Ernie tocar alguma coisa minimamente decente. Mas não ia de jeito nenhum sentar numa mesa com a Lillian Simmons e com aquele cara da Marinha e morrer de chateação. Por isso saí. Mas fiquei danado quando apanhei meu sobretudo. As pessoas estão sempre atrapalhando a vida da gente.
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- Tá bom - eu disse. Era contra meus princípios e tudo, mas eu estava me sentindo tão deprimido que nem pensei. Esse é que é o problema. Quando a gente está se sentindo muito deprimido não consegue nem pensar.
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Mas morei com ele uns dois meses, apesar de toda a chatura, só porque ele assoviava bem pra burro. Por isso, tenho minhas dúvidas quanto aos chatos.
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O mais engraçado é que, na hora que a vi, me deu uma bruta vontade de casar com ela. Sou biruta. Nem ao menos gostava muito dela e, apesar disso, de repente, me senti como se estivesse apaixonado e quisesse casar com ela. Juro por Deus que sou biruta. Reconheço.




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sábado, 13 de agosto de 2016

Impressões: A velha casa na colina, de Fábio Barreto

A constância nos posts vai voltar, ao que parece, e nesta retomada trago mais um livro de autor brasileiro contemporâneo. Capa, sinopse e minhas impressões sobre A velha casa na colina, de  Fábio Barreto, logo abaixo.




Nick Pershin tinha a vida pela frente, com sonhos e ambições, mas, ainda na infância, decidiu bater à porta da velha casa na colina e viu tudo ruir conforme foi lançado num rodamoinho repleto de morte, tragédia e uma decisão irreversível a ser tomada. 



O livro é menor do que eu esperava. Na verdade, só agora que fui buscar a sinopse e capa na internet foi que li na descrição que é um conto. Provavelmente o meu desconhecimento só melhorou a experiência de leitura, afinal eu estava determinado a não ler mais contos até o fim do ano, e não saber o número de páginas (leio no kindle) me proporcionou terminar esta prazerosa história que passaria batida caso eu a colocasse na coleção de contos. Assim sendo, vou estruturar o post de modo a mesclar as observações que faço a romances com a brevidade dos comentários que faço a contos. Bom, chega de falar de mim, vamos à história! 

A sinopse é genérica e não representa o enredo, mas chama atenção e, bom, talvez seja isso que conte... Nick começa como uma criança comum, presencia um evento sobrenatural traumático e reaparece jovem adulto para dar prosseguimento à história como protagonista. Esse prosseguimento de narrativa é algo notável ao leitor com certa facilidade, pois os fatos (principalmente as reações das personagens aos eventos) são forçados a um nível teatral. Levando em conta que contos precisam de uma agilidade maior no andamento e atribuindo tais exageros comportamentais e psicológicos na parte sobrenatural da história, acaba que a "forçação de barra" é relevada e a leitura segue sem percalços.

A narrativa é bastante visual e não se perde em nenhum momento. É daqueles livros que não deixa o leitor se afastar com facilidade, tamanha a linearidade da sequência dos fatos narrados. Na parte descritiva há um soluço ou outro, mas nada de alarmante, como em:

"A peça de metal, no formato de cabeça de cavalo, segurava uma argola dourada e protegia a entrada, intocada há décadas. Ela era gigante, pois, por muito tempo, também foi utilizada como sanatório local."

O trecho inicia descrevendo uma aldrava bem amadoramente, mas é na segunda frase que fica esquisito. O "pois", por ser conjunção coordenada explicativa, deveria estabelecer uma causa ou justificativa, mas não existe tal coisa entre o prédio ser um sanatório e a porta ser gigante. São coisas pequenas como palavras soltas, e uma questão pertinente surge desses solavancos. No início do ebook é comentado que o autor mora nos Estados Unidos, e trabalha com roteiros; será que o livro foi escrito originalmente em inglês ou em português? Nada sobre isso é comentado. Me fiz essa pergunta especificamente ao chegar no trecho seguinte:

"Thomas tentou acalmar o filho, mas ele continuava a tagarelar sobre Clive ter sido engolido. Quando entendeu o cenário, praticamente..."

A palavra "cenário" não é costumeiramente usada como "situação" no Brasil (embora seja usado regularmente em ambiente de empresariado, workshops e coisas do tipo), mas é nos EUA. Fica a dúvida. Entretanto, como os exemplos mostram, são apenas escolhas de palavras específicas que trazem algum estranhamento, nada de pavoroso; qualquer leitor pode seguir até o fim e até passar batido por elas, nada disso vai fazer alguém desistir da leitura.

O único momento que achei menos divertido foi a cena do fantasma na ponte. Excetuando a tensão no clímax da história, A velha casa na colina é um livro tranquilo e não tenta dar sustos no leitor. No geral é uma história de suspense bem estruturada, com um pontual dramalhão sentimental neste ou naquele diálogo e enredo de fácil assimilação. Não vai muito além disso. 



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sexta-feira, 29 de julho de 2016

Impressões: Coisas frágeis 1, de Neil Gaiman

Peguei este livro para curar uma ressaca literária e ele só a intensificou. Passei dois meses ou mais sem ler ou escrever qualquer coisa, e sempre que o pegava para retomar o ânimo ele me afundava mais na preguiça de estar entre palavras. Minhas impressões sobre Coisas frágeis 1, de Neil Gaiman, logo abaixo.



Os nove contos de Coisas Frágeis trazem Gaiman abordando os mais diversos temas, misturando puberdade, punk rock e ficção científica em "Como Conversar com Garotas nas Festas"; combinando o Sherlock Holmes de sir Arthur Conan Doyle com o terror de H. P. Lovecraft em "Um Estudo em Esmeralda"; extrapolando o mundo de Matrix em "Golias", inspirado no roteiro original do primeiro filme; ou mesmo presenteando a filha mais velha com um conto fantástico sobre um clube de epicuristas em "O Pássaro-do-Sol". Coisas Frágeis é um tratado prático de como escrever boas histórias - histórias que, como diz a introdução do livro, "duram mais que todas as pessoas que as contaram, e algumas duram muito mais que as próprias terras onde elas foram criadas". 


Um estudo em esmeralda é uma história divertida, fiel à estrutura narrativa e ritmo que consagraram Sherlock Holmes no mundo da ficção policial. O "esmeralda" do título remete aos deuses antigos criados por Lovecraft, que na história são mostrados através de referências um pouco menos destacadas. Neil Gaiman une esses elementos para contar a busca de um detetive e seu companheiro pelo assassino de um membro da realeza. Um ótimo conto, sob qualquer perspectiva, mas especialmente apreciado aos que conhecem as fontes inspiradoras. Eu, que sou fã extremista e declarado de Lovecraft e Doyle, só posso dizer que terminei a leitura com um riso delicioso no rosto. Recomendarei sempre.

A vez de Outubro é um conto muito bom, que mostra a reunião dos meses do ano ao redor de uma fogueira para contar histórias e desenvolve, na fala de Outubro, a fuga de casa de um menino descontente. Fiz muitas ligações com O oceano no fim do caminho (também conta a história de um menino perturbado e é o melhor romance do Gaiman, na minha opinião), e provavelmente por conta disso fui destacando uma coisinha ou outra para criticar. No geral, a história é interessante, mas fiquei com aquela impressão de ser alinhada demais com o público que partilha das tristezas do menino. Acho que o adulto que se envolveu demais com a história precisa realmente tomar tenência e resolver suas inseguranças, de uma vez por todas. Isso soa insensível, mas é sincero; o conto tem muita cara de mensagem pastoral, foi impossível não associar Outubro com a voz forte e suave daqueles pastores que pregam em quadros noturnos das rádios, tentando motivar os que caíram em desgraça.

Lembranças e tesouros é um caos. Conto cheio de coisas soltas e apressadas que, tal qual fiz quando li Lugar nenhum, tive a boa vontade de relevar "por ser Neil Gaiman". Mais à frente tem outro conto com Smith e Alice, e espero gostar mais, pois nesta história eles não me envolveram nem um pouco - e mesmo assim foram as melhores coisas que tirei da narrativa desordenadamente desconexa.

Os Fatos no Caso da Partida da Senhorita Finch é um conto divertido, despretensioso, cheio de bons personagens e com a adição da popular ideia da "Londres abaixo", aqui representada por um circo que se apresenta em galerias abandonadas do metrô. Não há muito mais o que dizer, é um conto muito bom. Recomendado!

O Problema de Susan é o maior sonífero que já experimentei. Por duas semanas tentei e falhei em chegar à quarta página. Gostaria de dizer que esse conto é uma bosta, mas por polidez vou dizer que Neil Gaiman estava possuído por Morfeu quando o escreveu.

Golias é um conto interessante contado no universo Matrix. Não lembro muito dele, mas é bom.

Como Conversar com Garotas em Festas é um caso interessante. Começou maravilhosamente, me empolgando com a voz narrativa do protagonista e a situação proposta, mas lá pelo meio (quando a festa acontece) há uma página lotada de referências regionais que me lembrou muito o que li de Stephen King e, imediatamente depois, tudo se transformou numa narrativa louca. Talvez haja algum simbolismo na parte final, e se alguém souber justificar o porquê da história ter ficado como ficou, me explique para eu poder tirar proveito do que se iniciou como uma ótima história e degringolou completamente com a aparição das amigas de Stella.

O Pássaro-do-Sol é um bom conto e leva a impressão digital do autor em sua narrativa: a história é carregada de infantilidade e pontualmente joga ganchos para o leitor adulto lembrar-se de que é adulto. Em geral prefiro quando ele faz isso com alguma justificativa, como por exemplo haver personagens crianças na trama (o que não é o caso aqui, e houve a incômoda dúvida sobre a história ser direcionada a crianças ou adultos, que afeta diretamente a suspensão de descrença), mas não prejudica o conto em seu todo. Terminei de ler querendo muito ver um curta animado baseado nele.

O Monarca do Vale é sequência de Deuses americanos e se assemelha demais com ele. No final, inclusive, me perdi quando começa a batalha, tal como aconteceu quando li o romance, mas fora isso não tenho o que reclamar. Ótimo conto e um excelente reencontro com Shadow.



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terça-feira, 3 de maio de 2016

Impressões: Deuses esquecidos, de Eduardo Kasse


A obra do post de hoje tomou forma pelas mãos de Eduardo Kasse, e é o segundo romance da série Tempos de Sangue: Deuses esquecidos. O primeiro romance já foi comentado aqui no blog.



Deuses Esquecidos é o segundo romance da Série Tempos de Sangue, de Eduardo Kasse, e narra a história de Alessio, um camponês temente a Deus que se tornou imortal contra a própria vontade.
Em uma Itália governada pela incontestável Igreja Católica, com seus dogmas e imposições, Alessio se vê em um grande dilema: depois de ser transformado em um bebedor de sangue, ainda teria chance de obter a Salvação?
Enquanto segue em busca de respostas, deixando à própria sorte a mulher e o filho, percorre caminhos tortuosos pela Europa medieval contando com a ajuda de um monge glutão e preguiçoso que também precisa expiar os seus próprios pecados.
Durante essa jornada fantástica, sua alma sempre estará envolta por sombras. Se reais ou imaginárias, só o tempo poderá dizer.


Não faz muito tempo que li O andarilho das sombras, e a grande surpresa ao começar Deuses esquecidos foi justamente ver que não se tratava de uma sequência direta (devido ao final do primeiro livro, que deixa clara a presença de Harold Stonecross em futuras histórias). No lugar do vampiro sanguinário, temos Alessio di Ettore, um vampiro de origem campesina, bastante ligado à sua fé católica. A natureza do personagem aglutina conflitos suficientes para torná-lo um personagem mais interessante desde o começo, mas não para por aí. As relações entre os personagens, a confusão e o espírito mais aventuresco e de descoberta da história deixam o livro muito mais receptivo que o anterior. Harold definitivamente não é meu malvado favorito, Alessio ganhou com facilidade.

A narrativa é segmentada, mudando de Alessio como narrador nas passagens que conta sua trajetória, para um narrador impessoal e onisciente, que toma a voz nas cenas em que Alessio não participa. Não vi problema com isso, mas leitores desatentos talvez precisem se preparar, pois a mudança é abrupta, e não estar preparado para este tipo de estilo pode gerar frustrações, eu sei por experiência própria. Deixando essa característica de lado, a trama é bem simples e direta, não abrindo espaços para malabarismos de roteiro, o que tem seu lado bom e ruim: o plot é pé no chão, não desperta a empolgação que virou quase um requisito para romances de fantasia depois da disseminação dos manuais de escrita criativa, mas a história ainda tem o viés histórico do cenário, que pode ser um bom escudo para justificar a "seriedade" do livro. Afinal, uma fantasia histórica carregada de terror não precisa ser cheia de apelo juvenil, precisa?

A escrita permanece gostosa de se ler, apesar de ter notado um menor refinamento vocabular. A história ficou mais acessível, e isso pode não ter sido intencional, já que o primeiro livro é muito maior que este, tendo mais espaço para explorar rebuscamento. O problema sério mesmo é o das vírgulas, que aparecem onde não devem e não estão onde deveriam estar (nas ocasiões de vocativo, principalmente) e em determinadas passagens, sem motivo algum, a narrativa muda o passo natural para uma sequência de frases curtas como versos de poesia. O que parece ter sido colocado para gerar efeito só gerou estranheza na leitura, além de destoar esteticamente nas páginas em que ocorre.

Por fim, vale destacar que o tema se encaixa muito bem na história, e ela desperta um sentimento ruim no leitor; as palavras afetam, de fato, quem as estão lendo. Todos os personagens são ruins, e os que não são no início, terminam por se corromper. Não há espaço para torcer e vibrar, o tom do livro é muito negativo, e é possível que algumas decisões tenham sido tomadas levando isso em consideração. A coisa chega a um ponto em que um abade no fim da idade, reconhecido (e demonstrado na história) como tendo um bom coração, destrói suas convicções por muito pouco, até descaracterizando toda a pesquisa histórica feita para o livro, pois transforma uma pessoa do clero, estudada e confiante da sua fé, num semi-analfabeto destes cultos de garagem, que lê a bíblia uma vez e a interpreta no furor do culto. A cena final do abade não só é forçada, mas destrói o personagem para manter o aspecto sombrio do livro. Deuses esquecidos fecha mais um capítulo de Tempos de sangue de forma coesa, podendo até ser lido separadamente; um ótimo ponto nesta época de megassagas cheias de volumes que iniciam muitas coisas e encerram poucas.

O que gostei:
O ritmo é muito bom, e a leitura não cansa.
A escrita é funcional na maior parte do tempo e agradável de se ler.
Cada personagem cativa a seu modo, e possuem seus próprios desejos e problemas.
Não tem como não gostar de Alessio.

O que não gostei:
Além do aspecto físico, a personalidade de TODOS é estereotipada. É possível adequar cada um em seu arquétipo sem qualquer variância de traços. Os simulacros são tão patentes no personagens que é fácil associar cada um a outro personagem medieval já existente na cultura pop.

Considerações finais:
Deuses esquecidos segue a linha da série e já estampa no título o que o primeiro livro só revela no final. É uma expansão de universo bem feita e, eu diria, até mais agradável que a obra anterior. Haja o que houver após o segundo livro, Alessio e Harold continuam firmes, fortes e com histórias sólidas em seu passado. Que venha mais sangue e mais esclarecimentos sobre o destino destes dois.


Gostou da indicação? Você pode comprar aqui: Deuses esquecidos (Tempos de Sangue)
Comprando pelo link, eu recebei uma porcentagem da venda.




segunda-feira, 25 de abril de 2016

Abandono e desistências


Post só para registrar o que deixarei de ler e o livro que larguei em 50%.



O que abandonei foi A luneta âmbar, de Philip Pullman. A leitura não estava agradável, muita coisa sendo jogada e inventada do zero, apesar de ser a sequência que pretendia encerrar a trajetória de Lyra. Tive uma decepção também com Iorek, que perdeu sua fúria viking, seu comprometimento espartano pela lei do mais forte, e virou um personagem precavido ao ponto de demonstrar covardia. Gostaria muito de chegar até o final para conferir a tal crítica à ICAR, mas a narrativa não me permitiu. O livro deve ser herético só pela menção a Deus ser explícita, já que há umas controvérsias tanto escolásticas quanto metafísicas (exemplo: a associação do pecado a um pó cósmico e a concepção de que o corpo físico seria mais forte que o espiritual, respectivamente); ou então por ser um livro destinado ao público infantil, então "qualquer perigo vira um grande perigo". Não sei e não vou descobrir, pois a vontade de ir até o fim ACABOU. Há boatos de uma série chegando, então espero que siga os livros, assim saberei certinho o motivo do debate sobre a religião.


As minhas desistências se devem à temática dos livros. Estou saturado e chateado com as coisas que tenho lido, mesmo as boas, pois tudo gira sobre temas ruins, coisas depressivas ou apenas mensagens desanimadoras. Eu quero mudar isso e vou priorizar leituras inspiradoras, com temas positivos. Vou terminar Deuses esquecidos do Eduardo Kasse, mas depois dele, só vou ler obras que façam um pouco mais feliz. Infelizmente, a maioria das obras que estavam na sequência de leitura são de autores brasileiros, e vou acabar deixando eles de lado, mas FAZER O QUÊ? (De qualquer jeito, já comprei estes ebooks, então possa ser que no futuro eu venha a lê-los).


   

  






sábado, 9 de abril de 2016

Impressões: Sentimentos à flor da pele


O livro de hoje é uma coletânea de contos financiada coletivamente. Reúne alguns dos principais nomes da podosfera literária, com cada um tomando um sentimento como tema para contar sua história. Apoiei o projeto, mas minha contribuição maior acho que vem agora, depois da capa e sinopse.



Acostumados a discutir literatura, 10 podcasters literários – dos programas 30:MIN, CabulosoCast, LivroCast, LiterárioCast e Drone Saltitante – tiveram de escolher sentimentos e transformá-los em personagens dominantes de seus contos. O resultado é um livro pequeno, mas como dito em uma frase de Sandman: “Algumas coisas são grandes demais para serem vistas. Algumas emoções enormes demais para serem sentidas".



Aquele terno maldito e aquele maldito gato, de Anna Schermak narra a prisão e escapada de uma mulher das mãos de traficantes de mulheres. O ritmo é acelerado e a narrativa gruda rápida no leitor, com excelentes descrições materiais e psicológicas. O refinamento da escrita flutua ao longo dos parágrafos, com frases muito bem pensadas, e outras sem relevo algum, mas no geral, por conta da sensação de perigo que a escrita passa,  essas não geram desinteresse. Atentei para alguns sentimentos de esperança e vingança, mas no geral, o pujante na história é o medo, e acredito que ele tenha sido tema do conto. Há uma analogia muito inteligente na história, que acaba perdendo sua força por conta de uma frase próximo ao fim, tirando uma característica interessante do conto.


O bosque da depressão, de Andrey Lehnemann fala sobre um bosque através de metáforas, analogias esquisitas e referências no mínimo confusas. O vocabulário é amplo, porém usado de forma solta, sem enriquecer a a estrutura atrapalhada da narrativa, e dá a impressão de ser fruto de uma busca em um dicionário de sinônimos, em vez de usado para fortalecer contexto. Admito que cheguei ao fim sem ter ideia de que sentimento devia ter sentido ao ler, até que "solidão" foi citado, e me pareceu algo que se encaixaria. Em apreciadores de poesia, talvez, esse conto possa gerar algum vínculo, mas não me agradou.


Existe amor na rua Paiquerê, de Cecília Garcia Marcon narra o relato de um mendigo pintor que se apaixonou por uma transeunte. A narrativa é inteligente, prazerosa, sem espaços para o leitor se distrair com outras coisas. O amor platônico do mendigo, mesmo exagerado, é de uma construção impecável. Apesar do mistério apresentado ao final, o conto segue uma linha tão natural que eu sou obrigado a dizer que Existe amor na rua Paiquerê é uma crônica perfeita.

Mais uma bomba caiu no meu jardim, de Domenica Mendes apresenta o dia-a-dia de uma mãe num mundo distópico (ou quase lá). Os elementos de construção de cenário são os pontos fortes: os termos são genéricos, o que é uma escolha acertada para um conto curto, e sinalizam para o leitor que há algo além do que é visto nas cenas descritas. Cheguei à última página completamente perdido sobre o tema do conto, pois a história não me passou sentimento algum (pelo contrário, percebi a ausência de sentimentos), e na última página a citação da "apatia" me abriu os olhos. Ela é a minha aposta para o tema. Acho difícil não ser isso, pois há uma cena muito apelativa no conto, e a única explicação do que segue à cena, é a apatia da personagem principal.

Sua herança, de Igor Rodrigues, começa com uma frase memorável. Discutindo relações de fidelidade, amor próprio e decepção raivosa, o conto tem diálogos fortes e uma trama sem grandes atrativos, porém simples e coerente, até certo ponto. Uma súbita mudança de comportamento motivada por ódio não convence, e a aparição de um personagem foi tão jogada na trama que tirou todo o sentido da leitura; impressionou a protagonista, sim, mas muito mais o leitor, que se decepciona com o desleixo de como a situação foi montada. Há também alguns erros de digitação que passaram na revisão, e uns equívocos com as vírgulas. O tema me pareceu ser o ódio, mas ele também não convence.

O grande duelo, de Jefferson Figueiredo, é mais uma história de vingança, dessa vez sobre um homem que decide matar o ex-amigo por conta de uma mulher do passado. A escrita é fluída e a história não desestimula o leitor, mas não enxerguei atrativos. Há diversas referências ao cinema de faroeste, e os entusiastas podem ver algo mais no conto, mas não creio que vá acelerar o coração de ninguém. Há uma pegada de noir em alguns parágrafos,  porém tudo que disse aqui foram observações avulsas, de elementos que não integram o todo da história, de forma que eu terminei sem fazer a mínima ideia de qual foi o tema selecionado pelo autor na hora de escrever. Não é ruim, mas é bastante esquecível.

N. A. (Nostálgicos Anônimos), de Lucas Rafael Ferraz, é um conto de mistério. Um esquisito grupo de apoio serve de porta de entrada para conhecermos um pouco sobre Vitória e sua luta com um trauma antigo e persistente. O background é intencionalmente deixado de lado, e o leitor precisa se apegar à aflição de da personagem quanto a um evento até simples, mas que consegue prender a atenção e estimular a curiosidade. Parabéns ao autor por conseguir tanto mostrando tão pouco, é um mérito difícil de ser alcançado. O sentimento-tema, apesar de não ser escancarado no enredo, só pode ser a nostalgia mencionada no título, e faz todo o sentido.

Onde não deveria estar, de Marcelo F. Zaniolo, usa uma narrativa rápida e gostosa de se ler para contar a superação de um menino contra seus medos. A história narra um causo, praticamente, haja visto que tudo começa e termina em poucos minutos. A natureza do medo do garoto é boba e difícil de acreditar; chegou a me causar estranheza, mas acabei aceitando após concluir que se trata de um conto infantil - e só cheguei a essa resolução após terminar e pensar sobre o que tinha acabado de ler, de maneira alguma a escrita ou a situação geral é infantilizada.

Ratos em sangue, de Mateus Lins possui o estilo de escrita mais distinto do livro, o que não impediu o defeito do excesso de permear, de maneira grave, o texto do início ao fim. O enredo não tem propósito até o último ou penúltimo parágrafo do conto, e quando aparece, não chega a convencer. As coisas são jogadas, os elementos não se encaixam, o conto realmente não brilha pelo que está contando. É o tipo de texto que impressiona pela maneira que transmite as ideias, por meio da narração e da descrição, e é por isso - pelo traquejo com a palavra escrita - que parabenizo o autor. Não vislumbrei o sentimento-tema.

Peixe fora d'água, de Vilto Reis, começa com a irritante narrativa no presente para contar a velha história do filho contra o pai autoritário, que para fechar o estereótipo, é um cristão fervoroso e irredutível (se captei bem, é testemunha de Jeová). A escrita possui um tom coloquial muito forte, e a narrativa passa longe de ser convencional, o que não necessariamente é ruim - é quase como um retrato contemporâneo dos textos curtos em português. O tema parece ser algo como submissão/opressão.


Antes de encerrar o post, vou deixar a relação dos sentimentos utilizados pelos autores para construir os contos (eles são revelados ao fim do livro). Os que estão em negrito e itálico são os que eu acertei. Respectivamente: solidão, depressão, obsessão, apatia, raiva, ódio, nostalgia, medo, escapismo, poder.




domingo, 3 de abril de 2016

Impressões: Horror na colina de Darrington, de M. V. Barcelos


Recebi o livro autografado e acompanhado de um material espetacular de divulgação, o que me deixou com uma ótima impressão inicial. Minha opinião sobre o romance de estreia de M. V. Barcelos vem logo abaixo da sinopse:


Horror na Colina de Darrington


Você acredita em fantasmas? Ben Simons é um rapaz órfão de 17 anos que vai para a casa dos tios ajudar a cuidar de sua priminha Carla após a tia ter sofrido um derrame. Apesar da infeliz situação de tia Julia, Benjamin esperava que a Colina de Darrington fosse um lugar de certa tranquilidade. O que encontra, porém, é uma trama de terror e sangue, cujo único propósito é a conquista de um poder absoluto e inimaginável por meio de forças malignas. A casa esconde segredos terríveis e sombrios. Conheça os caminhos mais tortuosos da mente humana e descubra até que ponto alguém chega para salvar a vida de um ente querido neste intrigante amálgama de suspense e terror sobrenatural. Onde termina o inferno e começa a realidade? Junte as peças e descubra. Sem dúvidas, esta é uma história para aqueles que não têm medo do escuro e de todo o mal que nele habita.


Horror na colina de Darrington é uma novela de poucas páginas e enredo intenso, feita na medida certa para ser lida de uma vez só. A narrativa em primeira pessoa, quase epistolar, se alterna em alguns momentos com matérias de jornais, relatórios policiais e até transcrições de documentário, fazendo da história uma espécie de quebra-cabeças, um mistério policial a ser desvendado. Particularmente essa é um estrutura de enredo que gosto muito, e aqui só abrilhantou o suspense do livro, seu ponto mais forte. A confusão de Ben, ao se dar conta de fenômenos sobrenaturais e dos presságios que eles anunciam, é crível e a identificação com o personagem é quase imediata, apesar do pouco que sabemos dele. E da mesma maneira, sem muitos aprofundamentos em passado (ou mesmo características físicas), é possível formar a imagem de cada um dos personagens na trama.

O número reduzido de pessoas ajuda, mas é o papel de cada um na história que define o perfil e fixa sua imagem na cabeça do leitor, e não digo isso à toa: cada evento que ocorre é um choque, um degrau de escadaria para que possamos saciar nossa vontade de ver o desfecho. Não há espaço para tergiversar, e essa concisão foi um dos pontos altos do livro. A narrativa é direta, os cenários são poucos e são poucos agentes, mas as informações são muitas, abalando a descrença de Ben e levando-o numa sequência de escolhas difíceis e contagiando o leitor por tabela.

O ponto fraco do livro são os diálogos. Apesar das falas de Carlinha serem bem construídas (que são mais fáceis de criar, por serem de uma criança pequena), o resto dos personagens segue uma linha diretiva que não oscila, e todos parecem falar e agir da mesma maneira, independente de idade, papel na trama ou sexo. O mais evidente disso está nas conversas de Ben com uma personagem feminina, da idade dele e estranhamente formal no linguajar.

Horror na colina de Darrington é uma história rápida para quem gosta de suspense, ação, ocultismo e teorias da conspiração. Recomendo e desejo ver mais do autor, com certeza.






quinta-feira, 3 de março de 2016

Uma reflexão estimulada


Apesar de ter sido o gatilho que me trouxe à caixa de texto do Blogspot, o último episódio do CabulosoCast, o 162 - Para Estudar Teoria Literária, será apenas tratado como o gerador do estímulo à minha reflexão, não tenho intenção de fazer do meu texto uma resposta ou nada do tipo. Até porque se o quisesse, seria mais honesto postar na caixa de comentários do podcast. O episódio, em sua discussão sobre o tema principal, acabou condenando o papel de crítico de algumas mídias onde os agentes são, em sua grande maioria, não profissionalizados na área de letras. Houve ressalva, no entanto, sobre a liberdade de opinião e o direito de se expressar, independente de bagagem teórica, de forma que o apontamento não foi só um ataque na modorrenta guerra entre alta e baixa literatura, que tanto se vê por aí. Esse foi o primeiro ponto que ressoou com minha decisão sobre continuar com o blog. Durante 2015 tive muita vontade de encerrar a seção "Impressões", que é praticamente a única coisa que tenho postado, para me dedicar a fazer textos mais técnicos sobre os livros, ou, ao menos, que me dessem mais confiança para chamar minha avaliação de "Resenha". Pesquisei, tive planos de terminar com este blog pessoal e partir para uma empreitada mais profissional, que casasse com a proposta dos novos textos, e então fui estudar as críticas acadêmicas. Desisti quando me dei conta do volume de estudo e trabalho me esperava, afinal escrever - livros ou posts de blog - não é meu ganha-pão; mas isso não me impediu de trazer um olhar mais contundente para a leitura, e ampliei o escopo das minhas avaliações, levando-as para o lado da estilística. Mesmo assim, não me sinto apto para chamar minhas críticas de "Resenha", então mantenho a seção "Impressões" intocada.

O segundo ponto que me trouxe até o teclado foi a própria qualidade literária, e o modo como ela é percebida na literatura de fantasia e ficção científica, que tanto tem delineado minhas escolhas de leitura. Eu não sigo a "escola ocidental" de fantasia - e nunca neguei isso. Larguei Tolkien no meio do caminho, não li Lewis, conheci poucos dos bastiões da FC. Porém sou apaixonado pelo Fengshen Yanyi, tenho Yoshiyuki Tomino como guru na área da escrita de roteiro e meu primeiro livro de fantasia foi inspirado em Hokuto no Ken, um mangá de grande sucesso da década de 80. Enquanto preciso analisar a qualidade de textos pelo padrão estabelecido no ocidente, e, já que estamos falando de Fantasia, é ainda mais fácil enumerar os critérios, uma vez que suas histórias foram se moldando por aglomeração de vários gêneros - tem os pontos de virada do Mistério, o ritmo da Aventura, a leveza do Romance, etc -, me sinto mais à vontade escrevendo por diretrizes, do que por técnica. E não quero confundir aqui meu ponto com a tipificação de "jardineiro e arquiteto", uma vez que mesmo o jardineiro vai aplicar algumas técnicas de escrita criativa depois de ter colocado seu ponto final. Por coincidência, dias atrás fiz um post no Blog do Goodreads que sintetizava a minha percepção de qualidade na literatura: seguir a técnica da forma mais refinada possível e levar o leitor ao lugar do personagem é bom, incrível, maravilhoso, mas o aspecto sublime da literatura, para o eu leitor, é quando a leitura quebra a parede do personagem, do cenário e da situação, e conecta leitor e autor.

Não estou cuspindo no prato que comi, ou até esteja, já que meu segundo livro de Fantasia é inteirinho montado em técnica de escrita criativa, me rendendo mais elogios que o primeiro, mas esta reflexão vai mais longe que o horizonte traçado até agora; é a minha forma de tentar achar meu caminho enquanto mantenho o escrever como um hobby prazeroso, ao mesmo tempo em que me desligo da visão inicial de agradar apenas a mim com meu livro finalizado. Não quero isso, nem somente agradar aos outros. Espero ter encontrado o meio termo no terceiro livro, e pretendo levar a mesma mentalidade para o quarto e um provável quinto que estou planejando.

Para encerrar, deixo em inglês a declaração de Gen Urobuchi, renomado roteirista japonês sobre o último trabalho do meu "guru inspirador" Yoshiyuki Tomino, que terminou com críticas extremamente polarizadas levantando hipóteses sobre genialidade e senilidade de Tomino, roteirista e diretor da obra.



Gen Urobuchi sobre Reconguista of G

A story is a method with which one separates things into good and evil via their imagination. It is a system needed for people to keep themselves sane and deal with the unreasoning chaos of reality. Religion offers the story of salvation, for example. Likewise, morals and ethics could be defined as the most popular story of the people of the age. But while these stories are harmless as long as they're used to keep individuals calm, this changes when they're used as tools for a country or race. Stories like "jews are an inferior race that have to be purged" and "capitalists are devils and if you suicide bomb them you can go to heaven" brought about tragedies due to their popularity. For an example on a smaller scale, it's not uncommon that a story that one person regards as a "small love story" turns out to be to the world at large a kidnapping of a minor. At times, stories are a poison that can drive a person mad. This presents a dilemma to us creators: If there are infinite possibilities in writing, is it possible to write a story about the potential danger of stories? A story that renounces stories? Yes it is. Reconguista of G did it.

The villains of G-Reco are the people who take the simple event of "the Crescent Moon Ship is coming from Venus" and add their own interpretations to twist it into a story with which they can move the world. The exact same thing  that dictators and cult leaders have done throughout history. Belri stops them by going along with the flow and doing his best to handle only what's in front of him. That's why there's no intentional dramaturgy to be found in the story which is shown from his viewpoint, and instead it's like reading a replay of a tabletop RPG or watching a documentary on the Discovery Channel where you're left in a vagueness free of undulations with no clear rhythm. The easiest example of someone fooled by the danger of stories is Mask. As a passionate revolutionary who seeks to free the oppressed caste of the Kuntala, he at first seems to be more of a hero than Belri, who just wanders around with no clear goal.  However, in the show itself, discrimination against the Kuntala is only mentioned, and not once seen. In other words, in the world of G-Reco, discrmination against the Kuntala exists only in Mask's imagination, and this is his "story". And in order to complete said story, his forces onto Belri the roleplaying of the villain. This is solely because Belri's lineage and surroundings contain elements that would make him a good villain for Mask. That Belri doesn't respond by arguing with his old friend dramatically is what makes G-Reco amazing. In the end, Belri doesn't commit himself to a greater good or fate or anything above his personal level, and at each point in time only does what he thinks he ought to do at the moment. No matter how much his ex-friend runs around going crazy, Aida's more important to him. And at the end of this one-sided game of tag completely out of place between a robot anime's protagonist and his rival, the final episode concludes with the unthinkable, in which he just abandons the fight and runs off in his core fighter. All that's left are people who are strong enough to live without the lies of stories. They are freed from the boring curses known as "catharsis" or "conclusions" and head towards the future. When I saw the end credits I was just moved, and exlaimed " they did it!". I had been worried about the limits of storytelling, and was just thankful for this slap from a veteran creator to me. Reconguista of G made me genki.







segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Impressões: Silo, de Hugh Howey


Minhas impressões sobre Silo, de Hugh Howey:



Em uma paisagem destruída e hostil, em um futuro ao qual poucos tiveram o azar de sobreviver, uma comunidade resiste, confinada em um gigantesco silo subterrâneo.
Lá dentro, mulheres e homens vivem enclausurados, sob regulamentos estritos, cercados por segredos e mentiras.
Para continuar ali, eles precisam seguir as regras, mas há quem se recuse a fazer isso. Essas pessoas são as que ousam sonhar e ter esperança, e que contagiam os outros com seu otimismo.
Um crime cuja punição é simples e mortal.
Elas são levadas para o lado de fora.
Juliette é uma dessas pessoas.
E talvez seja a última.


Em Silo acompanhamos a vida de uma micro-sociedade dentro de um bunker, morando há centenas de anos na estrutura autossuficiente sem saber realmente o que existe (ou se há qualquer coisa) no exterior. Após alguns eventos que exigem uma reestruturação dos cabeças, Juliette, uma moradora dos níveis mais baixos do silo acaba ocupando um dos cargos e descobrindo verdades perigosas sobre o que se passa na alta cúpula. Para ser silenciada, é enviada para o exterior - a sentença de morte - não sem antes plantar em alguns cidadãos a semente da desconfiança sobre aqueles que os governam.

Alguns elementos da narrativa relacionados a ciências aplicadas chamam atenção para o nível de precisão empregado, o que enriquece a leitura, mas no geral é uma história contada de modo lento, de progressão enfadonha e um uso duvidoso de poesia.


“'O volante que abre a porta não gira', ouviu em algum recôndito de sua mente. 'É uma porca emperrada.'”


Acima temos uso inteligente das porcas emperradas, uma analogia coerente que reforça a personagem e situa o leitor sobre o que ocorre, porém a mesma figura simbólica é usada em várias ocasiões, deixando a impressão de que Juliette só pensa em porcas e parafusos, até quando se depara com corpos humanos. Duas repetições marcantes são o som das pisadas de botas nos degraus da escadaria e o frio do corrimão; imagens recorrentes demais, que surgem quase sempre que a escadaria que une os andares do silo entra em cena. Outros empregos esquisitos aparecem na narrativa, demonstrando pobreza de vocabulário ou, pelo menos, má tradução:


"Os dois partiram apenas com uma faca, que Juliette tinha muita sorte de ainda ter. Como o objeto sobrevivera ao mergulho nas profundezas da mecânica era um mistério."

"Ela avançou pela estufa, os galhos das plantas se tocavam no meio do caminho como se estivessem dando as mãos, e então chegou até a bomba de circulação."


As descrições são breves, mais voltadas para a ambientação, cheias de sensações e carentes de detalhes visuais. Mesmo os personagens principais quase não possuem características físicas. É uma maneira difícil de estabelecer personagens, mas Hugh Howey consegue com a maioria deles. Alguns secundários, no entanto, ficam livres para a imaginação do leitor criar do zero. No geral, a falta de descrições desemperra a leitura, muito densa por conta da narração, e alivia um pouco o texto.


"O quarto dele era aconchegante e de bom gosto, com apenas uma cama de casal, mas bem-arrumado. As fazendas superiores eram apenas um dos mais de dez grandes empreendimentos privados. Todas as despesas de sua hospedagem seriam cobertas pelo orçamento de viagens do gabinete dela, e aquele dinheiro, assim como o proveniente dos outros viajantes por alimentação e hospedagem, ajudava o estabelecimento a adquirir artigos de melhor qualidade, como os belos lençóis dos teares e colchões que não rangiam."


O trecho acima foi algo que quebrou minha visão do silo. Em realidade, o livro inteiro parece ser análogo à transição de socialismo estatal para comunismo utópico, ao menos quando se percebe que os segredos da ala da TI progressivamente caem por terra e o o enredo caminha para uma conscientização geral da população sobre o que é o silo e qual o papel de cada um para se manterem vivos num mundo em ruínas, cada qual empregando seu papel não por obrigação, mas por consideração comunitária ao bem de todos. E de repente surge esse sistema monetário que não tem explicação alguma, e ainda reforça o sistema de "castas" estabelecido pela posição geográfica dos andares do silo (quanto mais profundo é o andar, menos conforto é oferecido aos moradores). Excluindo isso, existe uma coerência muito grande na história, tanto de cenário quando na trama.


O que gostei:
- Muitos mistérios, e apresentados de maneira a instigar a leitura.
- O conceito do cenário.
- A ambientação.

O que não gostei:
- Muita repetição com algumas metáforas.
- Alguns personagens passam em branco, não têm nem descrição física.
- Ritmo lento.


Considerações finais:
Silo logrou sucesso em me fazer terminar um livro de ficção científica, mas não sem alguns percalços. A história é lenta e é difícil pegar todos os personagens secundários - que só ganham papel ativo mais para o final - mas a história é interessante e os diversos mistérios vão puxando o leitor pelas páginas, de forma que quase todo capítulo termina com um clifhanger. Vale a pena para quem busca uma ficção científica cheia de suspense.


Link para compra:

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

TRILOGIA: A LANÇA DOURADA


A Lança Dourada é uma trilogia de fantasia formada por 3 livros independentes: O homem sem signo, A pedra celestial e O desejo do sol. Com cada um se passando em uma época diferente, com personagens diferentes e tramas com início, meio e fim, todos compartilham o mesmo universo fantástico, que só pode ser realmente compreendido com a leitura de todos os volumes. No primeiro, a construção do mundo se dá em torno do mito de Sauza e os filhos do zodíaco, arautos do poder celeste, enviados por Sauza para cuidar de Maciaan. No segundo, a construção de mundo é feita a partir do mito da Ligeia e seus filhos, cuja influência atinge a distante ilha Namal-te-Raan. No terceiro livro, o encontro das duas crenças resulta na busca de uma salvação para Maciaan, ameaçada por uma força que permanece desconhecida para a população, mas que mostra seus sinais para uns poucos, privilegiados com poder celeste.

Além dos três livros (entre os quais há um dividido em dois volumes, o segundo ainda a ser lançado), há o conto A herança do Professor Duncan, que expande geograficamente Maciaan para os lados ocultos das Montanhas do Leste.



- Capas, informações e sinopses -



O homem sem signo (13 de dezembro de 2012)

Fantasia sombria, disponível em formato impresso com o autor e em ebook em AMAZON.

No mundo de Maciaan as pessoas crescem ouvindo lendas sobre centauros, gigantes e misteriosos monstros do mar. De todas as criaturas fantásticas, os mais perigosos são os filhos do zodíaco, humanos que carregam em suas costas a marca da constelação que guia suas ações. O pai de Amato é o filho de Capricórnio e carrega consigo uma terrível maldição. Em O homem sem signo, acompanhamos o crescimento de Amato e sua luta para quebrar a maldição do pai, que só pode ser desfeita com a morte dos outros onze filhos do zodíaco. Para encontrar os seus alvos, Amato precisará viajar para os lugares mais longínquos, lutar contra rebeldes, digladiar em arenas e provocar guerras entre reinos. A vontade do herói é posta à prova quando grandes amigos se revelam filhos do zodíaco, e a decisão de salvar o pai não parece mais tão correta. Mergulhe nesse mundo fantástico e descubra quem é o homem sem signo.



A pedra celestial (31 de dezembro de 2013)

Fantasia infanto juvenil, disponível em ebook em AMAZON.

Após anos do desaparecimento do homem sem signo, Ivan, um jovem errante que esconde seu passado, se une à tripulação do Capitão Balboa numa viagem marítima em busca de riquezas escondidas. Superando diversos obstáculos, a longa viagem finalmente leva os marinheiros até Namal-te-Raan, uma ilha misteriosa e tropical, cujos segredos são mais valiosos que qualquer moeda de ouro ou prata. Acompanhe Ivan na aventura que revelará toda a história de como o mundo foi privado do seu equilíbrio natural desde épocas imemoriais e descubra a importância e a razão da existência do maior de todos os enigmas: a Pedra Celestial.



O desejo do sol - Volume I (12 de fevereiro de 2016)
Amostra do livro
Resenhas


Fantasia adulta, disponível em ebook em AMAZON.

Quando um homem alado aparece no templo celeste do Cesaro, uma estranha profecia ameaça mudar para sempre a vida em Maciaan. Há décadas sem serem vistos, uma nova leva de caídos do céu surge, e Vasto, o filho de Áries, acredita ser o centro da mudança vaticinada. Sem recursos nem maneiras de ser levado a sério, ele parte em uma jornada para reunir os doze filhos do zodíaco e concretizar o seu destino. 
Em meio a intrigas políticas e viagens conturbadas, o mito de um herói nasce, mas qual é seu verdadeiro papel? A prometida salvação é o que todos desejam? Neste épico de fantasia, nem tudo é o que parece, e um homem sozinho precisará convencer todos de que é possível derrotar uma ameaça invisível e silenciosa de poder ancestral, se todos se unirem sob uma vontade superiora: o desejo do sol.



A herança do Professor Duncan (6 de julho de 2015)


Terror, disponível em ebook em AMAZON.

Daniel Monteiro narra, com ares de horror psicológico, a viagem de um jovem que parte numa busca perigosa para um destino desconhecido e vê sua sanidade se restringir à mais primordial e frágil emoção: a esperança. 
Um conto com inspiração na escrita de H. P. Lovecraft e ambientado em Maciaan, universo fantástico da trilogia A Lança Dourada.






sábado, 20 de fevereiro de 2016

Impressões: O mistério da estrela - Stardust, de Neil Gaiman


Lá vem ele: meu ídolo nos quadrinhos e minha montanha-russa literária, cheia de altos e baixos, Neil Gaiman! Estou decidido a aumentar o número de livros lidos do Gaiman, e no começo do ano peguei O mistério da estrela: Stardust para ler. Segue a capa e sinopse.




Tristran ama a jovem mais bela do vilarejo de Muralha. Para ser correspondido, ele atende aos caprichos da moça e lhe faz uma promessa quase impossível de cumprir. Uma estrela cadente que ambos vêem cair do céu valerá a mão de Vitória em casamento.
A determinação de trazer a estrela para o vilarejo fará com que o rapaz burle todas as regras e siga para a Terra Encantada, onde supostamente a estrela está. Então, Tristran se vê cercado por piratas voadores, gnomos guerreiros, bruxas esquisitas e sedentas por beleza e princesas do mal. Um mundo de magia está diante dele e tem início um conto de fadas surpreendente e nada convencional.
Neste lugar, os caminhos podem ser belos e sombrios, tristes e alegres, suspeitos e óbvios, mas sempre cheios de segredos. E todos, não só Tristran, estão em busca daquela que parece guardar a solução para todos os problemas do reino mágico. Acontece que a estrela está triste e sem esperança. O maior desafio do jovem apaixonado, então, será fazer a estrela brilhar novamente.

A leitura foi difícil, MUITO difícil. Eu cogitei abandonar o livro várias vezes porque não me sentia compelido a continuar. É até estranho constatar isso em uma obra com tantos lampejos de talento ímpar, mas apenas de natureza estilística. Gaiman é um escritor delicado, mestre em gerar símbolos na narrativa e tornar vívidas as emoções dos seus personagens, isso é inegável. A voz então, é talhada de maneira tão natural, que o texto dele se revela em dois, três parágrafos no máximo. Não há como se enganar sobre a autoria do que ele faz. Mas isso não tornou Stardust uma história boa. Porque todo o resto faltou.

A proposta do livro é ser um conto de fadas para pessoas adultas, e com conhecimento disso, é até possível entender certos aspectos da narrativa, mas é imperdoável precisar sabê-lo para que o enredo se sustente. Quando não se aceita a proposta como muleta, os referidos "aspectos" se mostram verdadeiros defeitos, barreiras, enfim, INCÔMODOS que persistem do início até a última página. Informações soltas, caprichos, personalidades incompatíveis, tudo isso e um pouco mais será visto em Stardust, muito bem amarrado por construções frasais belíssimas e caracterizações que transbordam expertise de um veterano das letras.

"Vaza de Scaithe é um pequeno porto marítimo, construído sobre granito, uma cidade de carpinteiros, fabricantes de velas de cera e de velas para embarcações; de velhos marujos com membros e dedos faltando que abriram tabernas próprias ou que passam o dia nelas, com o que restou de seu cabelo ainda preso com breu em rabos compridos, mesmo que a barba por fazer em seu queixo já há muito esteja salpicada de branco. Não há prostitutas em Vaza de Scaithe, ou não há nenhuma mulher que se considere prostituta, apesar de sempre ter havido muitas que, sob pressão, se descreveriam como muito bem casadas, com um marido neste navio que pára aqui de seis em seis meses e outro naquele outro navio que volta ao porto por cerca de um mês, de nove em nove meses."

Acima são palpáveis alguns elementos que corroboram a minha reclamação, bem como meus elogios. Em um parágrafo de descrição de cenário, podemos dizer que conhecemos Vaza de Scaithe, porque a mensagem mexe conosco e com o que conhecemos da nossa vida pessoal; ao mesmo tempo, numa leitura mais analítica, o leitor também conclui que a descrição de Vaza de Scaithe é absolutamente NULA. Tudo que se forma na mente sobre o local se dá através de emoções e preconceitos gerados pela simbologia do parágrafo. Quase nada é dito, não há definição na descrição do cenário.

"— Para dizer a verdade — disse Tristran —, espero passar o resto de minha vida como criador de ovelhas no lugarejo de Muralha, porque me parece que já passei por todas as emoções de que um homem poderia precisar, seja pelo acontecido com velas e árvores, seja pela moça e pelo unicórnio. Mas aceito o convite com o mesmo espírito com que foi feito e sou grato por ele. Se você algum dia chegar a visitar Muralha, deverá ir à minha casa, e eu lhe darei roupas de lã, queijo de ovelha e todo o ensopado de carneiro que conseguir comer."

Essa fala eu precisava deixar aqui. Exemplifica toda a minha irritação com os diálogos do livro. Não é como os roteiros de Malhação do Brandon Sanderson, se assemelha mais à estrutura de diálogo usada muito por Dostoiévski; isso é bom? Depende do leitor, mas certamente não é o adequado. O discurso extrapola sinteticamente a sua função, fazendo o papel de inciso, uma técnica avançada e que exige muita perícia. E Gaiman faz corretamente o uso no texto, QUE INFELIZMENTE NÃO SE AJUSTA AO LOCUTOR. Tristran não tem a determinação, o background ou sequer passa a impressão de ser o tipo de gente que se expressaria de tal forma. A naturalidade se perde, e mais um choque se dá durante a leitura.

"Cuidado onde pisa, cuidado onde pisa — repetiam as gotas de chuva ao bater na pedra. O unicórnio parou a cinqüenta passos da estalagem e se recusou a se aproximar mais. A porta da frente estava aberta, inundando o mundo cinzento com sua aconchegante luz amarela."

Acima, uma das passagens do livro que me seguraram - os trechos de construção coerente, narrativa simples e simbologia forte. Três linhas que valem mais que muito curso de escrita por aí. Detalhes como esse, proporcionados por destreza com as palavras, e não por aspirações narrativas, não fizeram o livro cair na lista de abandonados.

"Ali havia uma série de rostos que Tristran reconheceu, e as pessoas o cumprimentaram em silêncio, ou sorriram, ou não sorriram, à medida que ele atravessava a multidão e subia pela escada estreita por trás do balcão até o patamar, com Louisa sempre a seu lado. As tábuas rangiam sob seus pés. Louisa lançou sobre ele um olhar penetrante. E então seus lábios tremeram. E, para surpresa de Tristran, ela o enlaçou e o abraçou com tanta força que ele não conseguia respirar. Depois, sem dizer mais uma palavra, ela desceu correndo a escada de madeira."

O exemplo mais perfeito que achei de narrativa dissonante. As informações mais jogadas que pedras em doido varrido, em suas frases curtas e diretas, mas que possuem efetividade justamente pelas sensações que as mesmas invocam. Rostos reconhecidos, cumprimentos em silêncio, multidão, escada estreita, tábuas rangindo, olhares penetrantes e lábios tremidos. Uma coisa sustenta a outra, mas não se compensam, justamente pelos efeitos contrastantes. Normalmente essa é uma técnica de introdução, e de uso breve, mas ele a usa para um desfecho (anti-climático, ainda por cima!). Eu quero muito acreditar que o "sem dizer mais uma palavra" tem o segundo sentido de referenciar o próprio narrador quanto ao parágrafo, pois eu posso pelo menos aceitar isso como uma sacanagem cômica/literária.

Eu não vou elencar os pontos positivos e negativos do livro porque não estou encarando o post como recomendação (ou não) do livro, é mais um registro pessoal da minha experiência para futura consulta. Então vou encerrar de repente o meu texto, para dar uma de Neil Gaiman na época que escreveu essa aberração.





PS: Tive raiva também quando o safado encerrou com uma conversinha compreensiva a perseguição da vilã sanguinária aos heróis, mesmo depois de todo o ocorrido, mas pelo menos, a esta altura do livro, houve a jogadinha da "união dos domingos" para dar um toque de inteligência à trama. Já que a vontade de Gaiman era misturar o mundo adulto com o infantil nesse conto de fadas provocativo... Bom, ele teve sucesso: a dicotomia ficou evidente, ficou GRITANTE.