sábado, 28 de fevereiro de 2015

Impressões: Um homem superior, de Machado de Assis


Seguindo uma decisão que tomei, aqui vai mais uma resenha curta de um conto; muitos posts consecutivos virão desta forma, e provavelmente só em Abril retomarei o estilo tradicional, resenhando romances.
Este conto não estava na minha lista de leitura, não estava no meu kindle esperando ser lido, não estava na minha cabeça sendo desejado. Eu o li porque tem o mesmo título de uma história que estou bolando há uns 4 meses e ainda não tive ânimo para escrever. Na verdade, não é EXATAMENTE o mesmo título, mas é parecido o bastante para me fazer colocá-lo no topo da lista de leitura, e assim o fiz. A minha opinião a seguir:

19219220

Em Um homem superior, de Machado de Assis, somos impelidos pelo título a esperar uma caracterização diferente do que normalmente vemos nos personagens de Machado. Um homem forte em suas virtudes, nobre, austero, enfim, alguém superior. E o que encontramos logo na primeira página é um fodido pensando em como vai conseguir dinheiro para almoçar. O Machadão não perde a ironia um segundo sequer.

O estilo é o já conhecido do autor, em que ele deliberadamente admite estar contando uma história, e se vale desta autoridade para parar quando quer e opinar sobre o que acabou de contar. Um estilo para poucos, dominado por ele, mas que não sustenta a história sozinho; é preciso mais que o interlocutor, é preciso personagens e trama. E o conto tem isso tudo. De uma forma simples, direta e extremamente realista, acompanhamos as quedas e ascensões de um homem que não tem nada, mas pretende ter tudo. E quando uma personagem tem este tipo de pretensão, só há dois caminhos para encerrar uma BOA história: ou acaba com tudo, ou acaba de mãos vazias. É Machado de Assis escrevendo, então, dependendo de como se olha, O homem superior é encerrado com esses dois finais combinados. Quer mais ironia que isso?




segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Impressões: O dragão de gelo, de George R. R. Martin


Este é o primeiro post de uma leva vultosa de Impressões de obras curtas que pretendo ler este ano. Após estabelecer uma meta de leitura, notei que seria impossível cumpri-la se todas as leituras fossem romances de cerca de 400 páginas, então juntei o útil ao agradável: já estava nos meus planos diminuir a lista de quadrinhos pendentes, bem como ampliar a quantidade de autores brasileiros no meu rol de lidos, e que oportunidade melhor para realizar essas minhas vontades, senão unindo as leituras curtas de HQs e contos à meta anual? Pois bem, muitas das próximas postagens de impressões serão sobre hqs e contos, a maioria de BRs. Agora, sem mais delongas, vamos à minha opinião sobre o conto infantil (será?) do autor das Crônicas de gelo e fogo. Sinopse abaixo.

O Dragão de Gelo


O Dragão de Gelo - O dragão de gelo era uma criatura lendária e temida, pois nenhum homem jamais havia domado um. Quando sobrevoava o mundo, deixava um rastro de frio desolador e terras congeladas. Mas Adara não tinha medo. Pois Adara era uma criança do inverno, nascida durante o frio mais intenso de que alguém tinha memória. Adara não se lembrava de quando viu o dragão de gelo pela primeira vez. Parecia que a criatura sempre estivera em sua vida, avistada de longe enquanto ela brincava na neve gelada durante muito tempo depois de as outras crianças terem fugido do frio. Aos quatro anos ela o tocou, e aos cinco montou no dorso imenso e gelado do dragão pela primeira vez. Então, aos sete anos, em um dia calmo de verão, dragões de fogo vindos do norte desceram sobre a fazenda pacífica que era o lar de Adara. E apenas uma criança do inverno e o dragão de gelo que a amava poderiam salvar o seu mundo da completa destruição.


Estou meio incomodado de fazer esta resenha, pois não acredito que haja muito que falar além do que já é dito na sinopse, a não ser opinar sobre. E como não quero ficar enrolando, vou efetivamente retirar a parte em que falo da trama e dar logo meu veredito: É BOM. Eu não tenho a mínima vontade pessoal de começar a ler a série literária principal do Martin, por ainda não ter um final, e por preguiça (sério, eu vejo o tamanho dos livros e penso logo na quantidade de meses que levarei para ler tudo E AINDA NÃO VER O FINAL DA HISTÓRIA!!!). Mas a pressão social exige, e por causa dela, volta e meia eu dou uma follheada na livraria, ou pelo menos fico admirando as capas, só por desencargo de consciência.

Eis que me surge o tal conto! O Jorge Martins lançou algo curto, rápido e fechado! Agora sim, eu poderia ler algo do velho e acabar com o peso na minha consciência, afinal como é que eu poderia, enquanto escritor de fantasia, não ter lido NADA do indubitavelmente mais famoso autor vivo do gênero? Exato, e lá fui eu ler o tal conto, com expectativas muito esquisitas (pois não era o que eu devia estar lendo para sanar a minha expectativa original). Eu peguei o livro, sentei no sofá, e poucas horas depois - duas, talvez - eu tinha concluído. E o livro é bom! A escrita é boa! E é uma história tão simples e rápida que nem vale a pena explicar, apenas vão e leiam durante o tempinho que a fila do banco não anda.

Esse post está tão mixuruca que eu preciso até falar mal um pouco do livro. Não tenho realmente um motivo para isso, mas não sei, acho que se a história fosse boa ao ponto de eu não ter nada para falar mal dela, eu simplesmente abriria o Blogger e escreveria maravilhado parágrafos e mais parágrafos, e cá estou eu enrolando para ver se o post rende. E é por isso que agora vou falar mal da história de Adara: ela não é impressionante demais. Você vê o que acontece com ela ao nascer e crescer, seu cotidiano, sua família. Tudo é bonito, bem escrito, mas fica por aí, você não vai se surpreender com o livro. Acho que após chegar a esta conclusão forçada, já posso fechar o post: este é o ponto fraco do livro, não me impressiona o quanto deveria! Mas se eu fosse uma criança - como a história gostaria que eu fosse - isso seria diferente?




sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Impressões: O oceano no fim do caminho, de Neil Gaiman



Para fechar o mês de Janeiro, a mente criadora de Sandman: Neil Gaiman e seu mais recente livro, O oceano no fim do caminho. Vamos à sinopse:

O Oceano no Fim do Caminho

Este livro é tanto um conto fantástico como um livro sobre a memória e o modo como ela nos afeta ao longo do tempo. A história é narrada por um adulto que, por ocasião de um funeral, regressa ao local onde vivera na infância, numa zona rural de Inglaterra, e revive o tempo em que era um rapazinho de sete anos. As imagens que guardara dentro de si transfiguram-se na recordação de algo que teria acontecido naquele cenário, misturando imagens felizes com os seus medos mais profundos, quando um mineiro sul-africano rouba o Mini do pai do narrador e se suicida no banco de trás. Esta belíssima e inquietante fábula revela a singular capacidade de Neil Gaiman para recriar uma mitologia moderna.

Diferente de muita gente, não sou arrebatado por tudo que o Neil Gaiman escreve, embora eu gostar minimamente de tudo que leio dele. Talvez a 'primeira vista' - Sandman - tenha marcado demais minhas expectativas, e sempre que eu busco algo novo dele, vou achando que vai ser tão bom quanto. Infelizmente esse desejo meu nunca se concretizou. Oceano é o livro mais pessoal do autor, e de fato há um realismo denunciante nas passagens descritivas, mas a declaração de Gaiman sobre sua relação com o livro pode ter um peso maior nesta percepção, já que, em MUITOS aspectos, a narrativa se vale dos elementos comuns que fizeram Neil Gaiman ser quem é. A tristeza quase apática do enredo, gatos e três mulheres de importância cósmica, é preciso algo mais para Gaiman misturar e criar uma ótima história? Talvez portas.

Oceano carrega o leitor para uma memória britânica bucólica do menino sem nome, e a habilidade de escrita de Neil Gaiman evoca rapidamente aquela identificação demasiadamente sentimental que nos leva a reflexões e memórias próprias. O nível de semelhança, entretanto, pode se tornar também o ponto fraco da narrativa. As particularidades da personagem principal são tão específicas que podem não surtir efeito nas pessoas que não passaram por situações parecidas. Neil Gaiman fez o livro para adultos leitores, aqueles que nutrem desde a infância o amor pelas histórias maravilhosas da ficção e possuem a mente criativa dos entusiastas literários. E quem não é assim, vai gostar do livro? Provavelmente, afinal não gostamos apenas dos presentes destinados a nós.

O plot, que é uma mistura espiritual de Coraline e Caçadas de Pedrinho, nos leva à construção simples de Gaiman, sem muitos rodeios linguísticos, mas satisfatória em criar aquela atmosfera cinzenta. Suicídio, possessão, fantasia e sonhos que escapam do território onírico são apenas alguns elementos na grande aventura que espera quem tem coragem de revisitar a própria vida.

O que gostei:
- Atmosfera do enredo criada com maestria
- Personagens interessantes
- Muita informação subtendida

O que não gostei:
- O livro tem muita fantasia em meio a muita realidade. O desnorteamento é grande em algumas passagens
- Algumas atitudes de personagens são muito extremadas. Apesar de não ser irreal, surge algum desconforto ante reações tão inesperadas

Considerações finais:
A ruazinha misteriosa é o único cenário do livro, mas por suas bordas e entremeios, o menino introvertido e o leitor vão se descobrir muito mais fracos do que imaginavam. Sim, fracos; Oceano quebra aquela quase obrigação de seguir a jornada do herói dos livros de fantasia. Dizer mais que isso seria tentar preparar alguém para o imprevisível. Mergulhe no oceano.




Impressões: Extraordinário, de R. J. Palacio


A terceira leitura de janeiro foi um livro leve, rápido e marcante. Extraordinário, de R. J. Palacio foi a história que iniciou a autora como escritora, e se provou um fenômeno de críticas e vendas. Vamos à sinopse:

Extraordinário

August Pullman, o Auggie, nasceu com uma síndrome genética cuja sequela é uma severa deformidade facial, que lhe impôs diversas cirurgias e complicações médicas. Por isso ele nunca frequentou uma escola de verdade... até agora. Todo mundo sabe que é difícil ser um aluno novo, mais ainda quando se tem um rosto tão diferente. Prestes a começar o quinto ano em um colégio particular de Nova York, Auggie tem uma missão nada fácil pela frente: convencer os colegas de que, apesar da aparência incomum, ele é um menino igual a todos os outros.

Narrado da perspectiva de Auggie e também de seus familiares e amigos, com momentos comoventes e outros descontraídos, Extraordinário consegue captar o impacto que um menino pode causar na vida e no comportamento de todos, família, amigos e comunidade - um impacto forte, comovente e, sem dúvida nenhuma, extraordinariamente positivo, que vai tocar todo tipo de leitor.

A sinopse é certeira contando a premissa e primeiros acontecimentos do enredo. Conhecemos Auggie, um menino de 10 anos bem resolvido com sua situação delicada, mas superprotegido. Descobrimos que por trás da personalidade calejada e quase madura do menino, ele guarda as mesmas inseguranças infantis que a idade reserva. Apreensão, revolta com a feiura e a constante sensação de estar sendo observado são sensações que se repetem durante todo ponto de vista de Auggie, e cativam tanto ao ponto de não percebermos que Auggie é tão observador e analítico quanto os demais. A mente imatura é muito bem trabalhada e a linguagem é simples de modo a fazer as páginas voarem em poucos minutos.

A estrutura de capítulos curtíssimos e abundância em diálogos são o principal fator da fluidez, além da já citada linguagem simples - o vocabulário chega a ser coloquial, na maioria do livro. Os capítulos são agrupados em visões particulares, fazendo com que a trama possa ser, em alguns casos específicos, revisitada por olhos diferentes, mas em geral a troca de personagem-narrador não implica retrocesso dos eventos, garantindo uma narrativa linear.

O trabalho de voz para as personagens é coerente, e cada uma que serve de guia para o leitor age e narra de modo específico, um detalhe trivial, mas que enriquece a história e, principalmente, facilita a identificação do leitor com cada uma.

O que gostei:
- Simplicidade da escrita, que combina com a trama
- O enredo é bonito, a história cativa
- O preconceito é o tema principal, mas não parece forçado em momento algum

O que não gostei:
- Como todas as obras do estilo Slice of Life, a trama pode soar chata ou sem propósito
- A impressão de autoajuda disfarçada é patente, em certos momentos

Considerações finais:
Simples, didático, emocionante e sem refinamento vocabular e narrativo, Extraordinário nos lembra a razão da gentileza ser tão importante e necessária no dia-a-dia. Em tempos de politicamente correto, o livro ensina que ser bom com os semelhantes - e os diferentes - é uma virtude, e que a nossa conduta gentil deve se pautar não em medo de processo ou pena dos outros, mas sim pelo simples fato de ser o certo a se fazer.