terça-feira, 3 de maio de 2016

Impressões: Deuses esquecidos, de Eduardo Kasse


A obra do post de hoje tomou forma pelas mãos de Eduardo Kasse, e é o segundo romance da série Tempos de Sangue: Deuses esquecidos. O primeiro romance já foi comentado aqui no blog.



Deuses Esquecidos é o segundo romance da Série Tempos de Sangue, de Eduardo Kasse, e narra a história de Alessio, um camponês temente a Deus que se tornou imortal contra a própria vontade.
Em uma Itália governada pela incontestável Igreja Católica, com seus dogmas e imposições, Alessio se vê em um grande dilema: depois de ser transformado em um bebedor de sangue, ainda teria chance de obter a Salvação?
Enquanto segue em busca de respostas, deixando à própria sorte a mulher e o filho, percorre caminhos tortuosos pela Europa medieval contando com a ajuda de um monge glutão e preguiçoso que também precisa expiar os seus próprios pecados.
Durante essa jornada fantástica, sua alma sempre estará envolta por sombras. Se reais ou imaginárias, só o tempo poderá dizer.


Não faz muito tempo que li O andarilho das sombras, e a grande surpresa ao começar Deuses esquecidos foi justamente ver que não se tratava de uma sequência direta (devido ao final do primeiro livro, que deixa clara a presença de Harold Stonecross em futuras histórias). No lugar do vampiro sanguinário, temos Alessio di Ettore, um vampiro de origem campesina, bastante ligado à sua fé católica. A natureza do personagem aglutina conflitos suficientes para torná-lo um personagem mais interessante desde o começo, mas não para por aí. As relações entre os personagens, a confusão e o espírito mais aventuresco e de descoberta da história deixam o livro muito mais receptivo que o anterior. Harold definitivamente não é meu malvado favorito, Alessio ganhou com facilidade.

A narrativa é segmentada, mudando de Alessio como narrador nas passagens que conta sua trajetória, para um narrador impessoal e onisciente, que toma a voz nas cenas em que Alessio não participa. Não vi problema com isso, mas leitores desatentos talvez precisem se preparar, pois a mudança é abrupta, e não estar preparado para este tipo de estilo pode gerar frustrações, eu sei por experiência própria. Deixando essa característica de lado, a trama é bem simples e direta, não abrindo espaços para malabarismos de roteiro, o que tem seu lado bom e ruim: o plot é pé no chão, não desperta a empolgação que virou quase um requisito para romances de fantasia depois da disseminação dos manuais de escrita criativa, mas a história ainda tem o viés histórico do cenário, que pode ser um bom escudo para justificar a "seriedade" do livro. Afinal, uma fantasia histórica carregada de terror não precisa ser cheia de apelo juvenil, precisa?

A escrita permanece gostosa de se ler, apesar de ter notado um menor refinamento vocabular. A história ficou mais acessível, e isso pode não ter sido intencional, já que o primeiro livro é muito maior que este, tendo mais espaço para explorar rebuscamento. O problema sério mesmo é o das vírgulas, que aparecem onde não devem e não estão onde deveriam estar (nas ocasiões de vocativo, principalmente) e em determinadas passagens, sem motivo algum, a narrativa muda o passo natural para uma sequência de frases curtas como versos de poesia. O que parece ter sido colocado para gerar efeito só gerou estranheza na leitura, além de destoar esteticamente nas páginas em que ocorre.

Por fim, vale destacar que o tema se encaixa muito bem na história, e ela desperta um sentimento ruim no leitor; as palavras afetam, de fato, quem as estão lendo. Todos os personagens são ruins, e os que não são no início, terminam por se corromper. Não há espaço para torcer e vibrar, o tom do livro é muito negativo, e é possível que algumas decisões tenham sido tomadas levando isso em consideração. A coisa chega a um ponto em que um abade no fim da idade, reconhecido (e demonstrado na história) como tendo um bom coração, destrói suas convicções por muito pouco, até descaracterizando toda a pesquisa histórica feita para o livro, pois transforma uma pessoa do clero, estudada e confiante da sua fé, num semi-analfabeto destes cultos de garagem, que lê a bíblia uma vez e a interpreta no furor do culto. A cena final do abade não só é forçada, mas destrói o personagem para manter o aspecto sombrio do livro. Deuses esquecidos fecha mais um capítulo de Tempos de sangue de forma coesa, podendo até ser lido separadamente; um ótimo ponto nesta época de megassagas cheias de volumes que iniciam muitas coisas e encerram poucas.

O que gostei:
O ritmo é muito bom, e a leitura não cansa.
A escrita é funcional na maior parte do tempo e agradável de se ler.
Cada personagem cativa a seu modo, e possuem seus próprios desejos e problemas.
Não tem como não gostar de Alessio.

O que não gostei:
Além do aspecto físico, a personalidade de TODOS é estereotipada. É possível adequar cada um em seu arquétipo sem qualquer variância de traços. Os simulacros são tão patentes no personagens que é fácil associar cada um a outro personagem medieval já existente na cultura pop.

Considerações finais:
Deuses esquecidos segue a linha da série e já estampa no título o que o primeiro livro só revela no final. É uma expansão de universo bem feita e, eu diria, até mais agradável que a obra anterior. Haja o que houver após o segundo livro, Alessio e Harold continuam firmes, fortes e com histórias sólidas em seu passado. Que venha mais sangue e mais esclarecimentos sobre o destino destes dois.


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