Para encerrar as resenhas de 2015 (será?), mais uma história de autor nacional.
O Limbo é para onde todas as almas vão após a morte. Além de humanos, deuses esquecidos e espíritos lendários também vagam pelo plano. Muitas almas sabem exatamente onde estão e por que; a maioria, entretanto, ainda tem a impressão de estar viva. A morte é um hábito difícil de se acostumar.
Um dos espíritos residentes no Limbo acorda sem nenhuma lembrança de sua identidade. Ele descobre que a Terra está prestes a ser destruída pelos próprios humanos e fica encarregado de enviar doze almas heroicas de volta. Elas reencarnarão no plano dos homens e tentarão reverter o quadro apocalíptico.
Contudo, poucas almas encaram o retorno com bons olhos. O espírito deve, então, forçá-las. Armado, de preferência. Assim, resolve visitar um velho amigo: Azazel, anjo ferreiro e primeiro escolhido da lista.
O espírito descobre mais sobre quem realmente é, ouve uma versão completamente diferente sobre a rebelião dos anjos e é presenteado com uma surpresa de péssimo gosto.
LIMBO mistura elementos e referências de videogames, RPGs, HQs, animes, mangás, filmes, séries e livros. De Lovecraft a Final Fantasy, é uma homenagem às influências que marcaram o autor.
Comecei a leitura bastante empolgado por conta da quantidade de elogios que Limbo possui nas páginas de avaliação, e logo no começo pude notar que não eram infundados. Em sua primeira publicação, Thiago d'Evecque assombra com sua qualidade de escrita, deixando aos entusiastas da literatura nacional de fantasia, um nome para se guardar. A escrita é bela e poética, abusando de figuras de linguagem e garantindo uma fluidez uniforme no texto. As descrições são diretamente afetadas por isso, e o livro apresenta boas representações de visual de personagens, e em certa medida de cenário também, apesar do limbo, enquanto atmosfera macro da história, acabe prevalecendo e poluindo os cenários com seu vazio escuro.
A narrativa foi a parte problemática da leitura. A sinopse é bastante sincera sobre a história do livro; percebemos pelo menos uma dúzia de referências das mais variadas, num universo de sincretismo que, (muito) ironicamente, só exclui o deus judaico-cristão da existência. A jornada é uma espécie de "12 trabalhos de Hércules", mas que se repetem exaustivamente e sucessivamente, deixando o ritmo de leitura bem prejudicado. Como se Hércules, ao invés de 12 tarefas, precisasse cumprir apenas 2, e repeti-las 6 vezes em alternância. Se dá assim: a alma imagina uma figura heroica, se materializa na moradia da mesma (que, novamente, se permeia com as brumas e aspecto do limbo), descreve tal herói e começa uma conversa com ele, explicando a situação do mundo e a necessidade do seu retorno. E, de acordo com o caso, o herói aceita sua missão de bom grado ou pela força. Pronto. São essas as 2 possibilidades que se vê durante todo o livro.
"Corte logo a cabeça deste miserável!
Eu podia. Podia mesmo. Simplesmente girar Cacá de lado e cortar o pescoço de Tabadiku em um corte limpo e preciso. Mas gosto de dar uma chance para entenderem o que está havendo com eles e com o mundo".
O trecho acima, da segunda metade do livro, demonstra que o autor conhece bem a estrutura repetitiva do enredo, e mesmo assim a usou, deliberadamente. O leitor precisa enfrentar tal obstáculo e virar as páginas para encontrar o inimigo que, numa estranha alusão ao modelo "DBZ e demais animes", é sempre mais desafiador que o anterior, ao menos os que se mostram contra o pedido de voltar ao mundo dos humanos (e não, eles não são mais desafiadores que o anterior, é a alma que está sempre mais fraca por causa dos ferimentos recebidos, o que também exige uma boa dose de suspensão de descrença, afinal ser atravessado por uma espada, por exemplo, não é um referencial válido numa escala de cansaço/sofrimento). As disputas físicas se aproveitam do talento de escrita, mas ainda caem no enfado estrutural em que se situam. Limbo é um livro cheio de qualidades, mas também de defeitos evidentes.
O que gostei:
- A escrita é muito bem trabalhada. Algo único e que precisa ser elogiado sempre.
- O número de referências é mais que suficiente para evocar simpatia de qualquer tipo de leitor.
- Há notas de todas as referências utilizadas, no final do livro.
O que não gostei:
- A narrativa é muito repetitiva.
- Personagens, apesar de diferentes, em essência significam a mesma coisa.
- A escolha de alguns personagens contradiz a escolha de outros. Se a ideia original é dar um novo rumo para a humanidade, a alma acabou dando um leque de opções bem caótico para a humanidade seguir.
- O pior defeito de todos, na minha opinião, é a utilização exagerada de frases de efeito e lições de moral, as duas coisas que mais abomino na escrita, e que me pareceram um desperdício de talento. Destaco, no entanto, que TODAS as marcações populares do Kindle são justamente algumas dessas frases de efeito.
Considerações finais:
Thiago d'Evecque presenteia o leitor com uma escrita incrível permeada de bom humor. Limbo, para mim, é um bom presságio e acrescentou mais um nome à minha lista de autores notáveis. Espero que daqui para frente a boa escrita largue o fanservice e ofereça algo original; FanFic é coisa de autor amador, e d'Evecque se provou capaz de ir além disso.
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