sábado, 5 de dezembro de 2015

Impressões: A ilha dos ossos, de Ana Lúcia Merege


Mais um pouco e terei lido 100% do que ela publicou. O livro do post é sequência direta de O Castelo das Águias e é o segundo da série Athelgard de Ana Lúcia Merege. Vamos à sinopse e minhas impressões.



Após ter derrotado seu maior rival, o mago Kieran de Scyllix deseja apenas deixar para trás seu passado de guerras e segredos e ser feliz ao lado de Anna. No entanto, a sede da jovem Mestra de Sagas por conhecimento e aventura nem sempre torna as coisas fáceis para o casal.
Durante uma viagem para encontrar uma confraria de bardos, ela desaparece misteriosamente, e Kieran é obrigado a seguir suas pistas através dos pântanos e mares de Athelgard. Pelo caminho ele irá encontrar aliados improváveis – barqueiros, religiosos e uma trupe de saltimbancos – e enfrentará piratas e guerreiros, além de se deparar com seres que até então só vira em antigos livros de Magia. E a maior surpresa de todas o aguarda no destino final...
A Ilha dos Ossos, romance fantástico de Ana Lúcia Merege, é o segundo da série iniciada por O Castelo das Águias (2011) no mundo de Athelgard. Inspirado nas lendas celtas e com grande sensibilidade artística, a autora cria personagens que habitam esse mundo que parece vindo de contos de fadas, mas nem sempre com finais felizes.

A sinopse é honesta, então não há necessidade de explanar o mote do livro, mas há um aspecto geral que é preciso citar, em contraponto ao primeiro livro: a locução muda de Anna para Kieran, e as diferenças de narração são enormes de um livro para o outro. É importante que isso fique bem claro antes da leitura a seguir, pois muito do que observei na minha análise está atrelado à percepção do narrador.

O enredo é muito mais tradicional ao que se vê no gênero fantasia, e a busca de Kieran é facilmente associada a uma aventura, no sentido de ter elementos de mistério, ação e progressão bem evidentes; a história perde o ar de "slice of life" do primeiro livro. A progressão, aliás, merece um reforço no elogio, pois é feito um encadeamento tão coeso de cenas que é impossível se perder na narrativa, a própria organização (e nomes) dos capítulos já dá a ideia de que a aventura segue sem deixar nada perdido para trás. A visão prática do mundo que Kieran possui afeta narração tanto positiva quanto negativamente, e um exemplo do primeiro caso pode ser visto neste trecho:

"Naquela noite, ceei numa mesa comum, com viajantes provenientes de Erchedel e de Malkin. Esta era conhecida como “cidade do pântano”, por isso procurei saber se os homens fariam o mesmo trajeto que eu, mas foram veementes em dizer que preferiam ir por terra, ainda que isso lhe custasse um desvio de vários dias. O pântano era assombrado, afirmaram, principalmente nas proximidades do mar interior. Só os barqueiros da Aldeia dos Juncos tinham coragem de atravessá-lo".

Conciso e útil. Em um parágrafo a autora sintetizou informações suficientes para o leitor saber do local que se apresentava e qual seria o próximo passo de Kieran: buscar os barqueiros da Aldeia dos Juncos. E tudo isso se encaixando com o perfil do personagem! Esse é um exemplo de qualidade na escrita!

A parte negativa da visão de Kieran se revela nos trechos de descrição, que na verdade não são tão diferentes em suas construções dos demais textos da autora, mas espero conseguir demonstrar meu ponto de vista com duas passagens:

"Os muros do templo eram de pedra e bem sólidos, mas seus portões eram de madeira: tábuas grosseiras e carcomidas, reforçadas com barras de ferro e fechadas com trancas por dentro. No pátio havia apenas um edifício em pedra, possivelmente o alojamento dos Prestes, já que os ritos em honra de Thonarr são realizados a céu aberto. As outras construções eram de adobe, à exceção de um cercado de madeira com meia dúzia de cabras".

A descrição acima é boa, funcional e traz o relevo necessário nas palavras utilizadas para formar uma imagem concreta do que se quer passar. Não há mais o que fornecer para o leitor. No geral as descrições são boas, porém há alguns casos em que a pressa de Kieran toma conta do texto, e surgem coisas assim:

"(...) eu estava coberto de lama, e os mosquitos me picavam sem dó. Pensei em desistir da exploração e retornar, mas depois pensei que uma praia tão longa merecia ser examinada e caminhei um pouco mais, tomando cuidado para não pisar em nenhuma outra armadilha do pântano".

A primeira frase revela o estado físico dele. Em seguida, uma oração esgota o que há para se dizer da situação psicológica do personagem e já se emenda com o retorno ao cenário e a segunda frase é concluída com a ação decorrida no ambiente. Que loucura, que brevidade, o leitor precisa de mais! Estou errado em atrelar o erro da pressa à figura do narrador, já que no exemplo anterior a descrição é eficaz? Talvez, mas pessoalmente eu consigo ver a mesma situação narrada por Anna de Bryke, consequentemente com duas ou três frases a mais, aliviando a rapidez da narrativa só com a sua voz.

Em relação aos personagens, eles são muitos e novamente inéditos, porém não sofri com a memorização dos mesmos, justamente pela progressão da história, que separa muito bem as cenas (e os personagens que nelas atuam), sem que seja necessário assimilar dezenas de uma vez só, que somem e reaparecem no mesmo lugar, como era a convivência no Castelo das Águias e seus arredores. Os núcleos são bem definidos e se mantêm verossímeis no ambiente em que se apresentam. Na parte de construção psicológica, apenas em um momento senti um toque de caricatura, quando uma família inteira de fazendeiros é estereotipada como "vilanesca" e unidimensional, porém eles surgem no capítulo chamado "Um ninho de serpentes", então eu posso estar sendo injusto, querendo um desenvolvimento em quem realmente não deveria haver.

A ressalva maior que faço enquanto à diversão do livro, que é abundante desde o começo, é no final, após o clímax e antes do encerramento. Simplesmente demora demais. Talvez pela necessidade de um final feliz pleno, temos que passar por uma segunda fase do clímax, em que não só os vilões principais reaparecem, mas também outros de índole ruim surgem para o acerto de contas absoluto! E acaba? Não, há também a terceira fase do clímax, que existe para fazer ligação com um dos contos da autora que também se ambienta na Ilha dos Ossos. Só depois de tudo isso a trama baixa o frenesi e retoma o passo para a finalização do enredo, que é feito trazendo mais novidades e um gancho para mais coisa que virá no terceiro livro da saga. 

O que gostei
- Personagens incríveis, numerosos e bem construídos.
- A aventura e o enredo geral é muito bom.
- A progressão é o ponto mais alto da história, o que garante um excelente ritmo, apesar da quebra entre o clímax e o desfecho.
- O mundo de Athelgard cria mais vida com os tantos locais apresentados, o universo ganhou muito com este livro.


O que não gostei
- Os Behzov e sua função na trama.

Considerações finais
A ilha dos ossos é um livro excelente, com um ritmo que precisa ser estudado por outros brasileiros que gostam de escrever e, em suma, mostrou que Ana Lúcia Merege continua trazendo literatura de qualidade para seu público, sem precisar fazer malabarismos no universo fantástico que ela criou. O livro, em última instância, nos ensina porque Kieran precisava embarcar nesta viagem incerta em busca de sua esposa. Nas palavras dele: "Porque era ela que me fazia desejar ser bom, mais do que apenas justo."




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