segunda-feira, 27 de julho de 2015

Impressões: Ana Lúcia Merege (2)


Continuando a INICIATIVA ATHELGARD, apresento aqui minhas impressões sobre cinco contos da Ana Lúcia Merege, todos pertencentes ao universo ficcional criado pela autora. Outros posts tratando de obras correlatas são: Impressões: Ana Lúcia Merege e Impressões:O castelo das águias.
Vamos lá!



A voz do sangue é mais um conto que se passa em Athelgard, universo mágico criado pela autora e relata a chegada de Maxim a Brandannen. Ele, um representante da Ordem Mística da Rosa, é recebido na cidadezinha decadente a chamado do Preste Ivan e, tão logo se apresenta, percebe que passou de caçador a caça quando é rendido pela lei que o ditador vampírico impõe aos habitantes. Para mim, a natureza vampírica apresentada na história já é uma novidade enriquecedora ao cenário, coisa que não tinha visto ainda em outras obras de Athelgard; até então já tinha me emocionado lendo histórias com magos, poções, telecinésia, saltimbancos... Ana Lúcia Merege sabe mesmo como montar um mundo diverso e separar cada uma das partes de modo coeso! A ambientação é maravilhosa, consegue dar o tom mais adulto à narrativa e não se perde na quebra de linearidade do enredo, o que garante mais um ponto positivo à escrita. Os personagens são apresentados de maneira coerente e com a quantidade suficiente de detalhes para criar familiaridade ao mesmo tempo que apenas insinua uma característica sobre um cidadão que será pivô do plot twist. O desfecho é criativo e (pelo que vim a saber depois pela internet) vai se desdobrar no segundo romance da saga principal da autora. Eu não vejo a hora de ler esse próximo volume e descobrir o que de vampírico vem pela frente no mundo fantástico de Athelgard.



O fogo interior se passa nas intermediações do Castelo das Águias e os personagens principais são aprendizes, mas a história conta com a aparição de alguns mestres. Razek, um aprendiz meio-elfo cheio de inseguranças e com gênio forte, precisa lidar com seu descontrole nas aulas - especialmente quando a meio-elfa Tarja está por perto. A história é trivial, e a beleza fica por conta da escrita da autora, cujo estilo é conciso e exato na escolha de palavras e montagem de frases. Confesso que mesmo assim me vi empolgado com a trama, lá pela segunda metade do conto, e isso se deve à leitura prévia do conto A encruzilhada. É possível fazer um paralelo bem claro entre os protagonistas dos dois contos, o que gera uma percepção de crescimento em Kieran e dá uma sensação maior de familiaridade com ele e com Athelgard como um todo. Recomendo que leiam A encruzilhada antes, para receberem no fim do conto a mesma descarga emocional que recebi.



Um estranho equinócio segue o fim do primeiro romance, O castelo das águias, e é narrado em primeira pessoa pelo personagem Urien, um dos mestres do castelo. É interessante frisar que, apesar de sermos apresentados a Urien e suas funções, muita coisa sobre ele só é mencionada por alto, deixando um mistério sobre seu passado para ser esclarecido em outras obras. A trama do conto é de certa forma detetivesca, muito embora não se instaure realmente uma atmosfera de tensão. Na verdade, o clima do conto é bem cotidiano e a personalidade "vida mansa" de Urien ajuda a apaziguar a sensação de perigo que a tentativa de assassinato que ocorre na história normalmente forneceria. A escrita da autora se mantém excelente, isso pode ser notado na construção de Urien, seus trejeitos e modo de pensar. Este conto (ou Urien) provavelmente é o que mais evidencia a postura pacifista da autora, mais até que a personalidade de Anna (protagonista do primeiro romance), já que no caso dela há ligação forte e relação causal entre sua visão de mundo e sua origem "tribal".
O conto possui uns erros de digitação.



Em nome de Thonarr é o melhor conto da autora no mundo de Athelgard. A história se passa antes do primeiro romance e conta a trajetória de Padraig, um robusto menino humano, de ajudante no restaurante da mãe a aprendiz de mago no Castelo das Águias. O garoto de 12 anos é devoto a um herói da igreja do deus único, mas demonstrou ter dons para a magia, atraindo a atenção dos mestres e fazendo com que o caminho futuro de Padraig fosse o conflito principal, debatido entre os professores de magia e a mãe, dona do restaurante já mencionado, ela também uma mulher fiel ao deus único. A escrita é sublime, e o aspecto psicológico é um dos mais explorados - nos personagens em geral, mas principalmente mostrando a visão de uma criança que é o centro da discussão. A multiplicidade de posicionamentos sobre a dicotomia igreja-paganismo apresentados por personagens condizentes é o mais excitante do conto, mas é a surpresa final que pode-se chamar de cereja do bolo, dando fim à disputa não com um lado vencedor e outro perdedor, mas com uma resposta convergente. É por histórias deste calibre que afirmo que Ana Lúcia Merege é a melhor autora da literatura fantástica brasileira.



O tesouro dos mares gelados é uma novela com enredo sólido e simples, uma aventura viking em busca de um recurso para curar a doença de um velho patriarca, mas principalmente decidir qual dentre dois irmãos irá sucedê-lo como líder. O papel do conto, numa visão macro da série literária, é mais de explorar novas áreas de Athelgard e aprofundar a personalidade de Thorold e mais alguns que podem aparecer em outros volumes, pois as ramificações apresentadas na trama (apresentação da pirataria e de alguns grupos élficos citados, bem como o surgimento de um dragão) são sumariamente deixados em aberto, com o roteiro seguindo pela aventura principal até o desfecho da disputa entre os irmãos herdeiros. A escrita é boa como de costume e a história é um bom passatempo para os que já conhecem algo de Athelgard, mas não é muito conclusiva para marinheiros de primeira viagem.






Um comentário:

  1. Daniel, muito obrigada por mais este post e essas resenhas maravilhosas. É muito bom saber que alguém consegue se identificar, se divertir e se emocionar a esse ponto com as coisas que escrevo. Isso é como o orvalho da cura, de verdade.

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